sexta-feira, 29 de maio de 2015

Dos diários antigos–parte II

Frase de um engenheiro e acadêmico ilustre: "o grande problema da vida é minizar o nosso tédio".

Santo cristo! Pobre homem... Ele é realmente genial, Zé Augusto, no que se refere a aulas, às suas apostilas cheias de equações. Estudou no místico M.I.T., o instituto de tecnologia de Massachusetts. A gente adora esses brasileiros que foram estudar lá fora.

Lembro do livro de Jonathan Safran Foer, Extremamente Alto e Incrivelmente Perto. Dessas coisas de papel que você não larga até que acabe. A vista cansou. As mãos não se aguentam, mas você quer ler mais um pouco. A angústia do menininho vai moendo nossos ossos. E lembro de uma palavra que ia se fixando ao longo do livro: "degringolar". Algo está degringolando, ou está se acertando? Como é que a gente sabe? Como diabos a gente sabe?

As perguntas da minha amiga... São importantes porque talvez ajudariam a entender se algo está degringolando ou não. Ou então se pode degringolar no futuro, e assim vai. Eu tenho medo de relacionamentos por conta do divórcio dos meus pais? Como diabos se responde uma coisa dessas? Eu tentei. Abri um e-mail e comecei a escrever. Escrever é principalmente a coragem de começar e a disciplina de continuar, não é? Mas dessa vez não levou a lugar algum, mesmo. Talvez isso seja sintomático. A dúvida é sintomática, não é? Segundo o Giannetti, é sim. Acredito nele. Se eu não tivesse nenhum problema com essa questão, teria respondido de imediato que não, que ela estava viajando.

A segunda questão dela não era bem uma questão, como conferi agora. Era uma afirmação. Eu sou um cara de humanas. O que significa isso? Não na semântica óbvia na frase, mas dentro das decisões e sentimentos que tenho e devo diante da vida. O que significa isso? Sim, eu sei que várias coisas no modo de vida engenheiro não me atraem. Sim, eu sei que eu preciso de determinadas mudanças que vão na direção de uma vida mais Humanas. Sim, eu sei que sou bem bundão pra isso, que se fosse eficiente já teria operado mais mudanças há mais tempo. Mas eu não renego meu lado Exatas. Mais do que tudo, acredito que eu sou as duas coisas. O que, fatalmente, me garantirá uma mediocridade nas duas áreas ao longo da vida, e deverei conviver com isso numa boa. Mas será facil conviver com isso, creio, principalmente porque eu penso muito diferente do J. Augusto que mencionei há pouco.

O problema central da vida é o da minimização do tédio? Que absurdo! Onde diabos está a maximização do prazer? Dar uma estilingada na janela do vizinho minimiza o tédio, e eu adoraria ver o Augusto experimentando uma técnica arrojada dessas. Discutir com as pessoas no trabalho também. Por que então as pessoas não optam por estas soluções? Por que elas diminuem o prazer, e a busca de prazer manda muito.

E por que eu, então, sou tão bundão em promover mudanças necessárias na minha vida? Bem, é nisso que consiste o medo, não é? O medo é uma suspeita exagerada de que determinadas ações implicarão na diminuição do prazer, o que produz a hesitação toda. O que trava demais.

Mas estou sendo injusto aqui. Para um texto de dezembro, está muito pessimista. Ainda que com degringolações e bundonices e freudianices atoladas num inconsciente enlameado, preciso ser justo. Há coisas pendentes, sim, ainda bem, mas preciso ser mais justo. Dois mil e dez veio, e eu não estava morando sozinho. Agora estou. Agora estou trabalhando e mandando no meu dinheiro nos meus gastos nos meus planos. Só não estou mandando certo ainda, mas estou mandando. Estou fazendo minhas aulas. Compro livros, mas tenho comprado menos livros e lido mais. Curiosidamente, essa mudança se deve em boa parte ao fato de que eu tenho comprado mais livros de humanas e menos de exatas. Maldita amiga, você está certa. O óbvio revolta, quando não é a gente que vê. Mas se eu não vi, tenho que entender a razão de não ter visto: olho demais para os outros. Para alguns chegados nunca foi possível que eu fosse alguém de humanas. Meus amigos não sabem o que é filosofia, desconhecem por completo as ciências sociais e não se comovem com a história da ciência. Vivem em cima de um prédio alto, gigante, mas ignoram tudo isso. Os andares abaixo. A história do mundo. Gosto deles, mas talvez esse contexto tenha me deixado mais sozinho do que eu deveria na escolha dos meus caminhos. Um tipo especial de solidão. Solidão nerd. Solidão intelectual. Solidão espiritual. Solidão secular.

Você decide estudar alemão. Compra um livro e promete a si mesmo: toda terça e quinta vou chegar do serviço, tomar um bom banho, e das 19:30 às 21:30 vou me trancar no quarto e ler o livro, falar as palavras em voz alta, arrumar filmes em alemão para assistir, et cetera e tal. Funciona na primeira semana. Capenga na segunda. Foi pro espaço na terceira. Consequencia do que? Da solidão. Consequencia do vazio da solidão, esta droga de solidão de que meu professor falou. Essa solidão não afeta a alto disciplina dos nossos estudos. Precisamos dos outros, em certa medida, também para a afirmação de escolhas muito pessoais. Coisa que não é óbvia e que a maioria, a grande maioria das pessoas, vai negar. Mas é assim que é. Você escolhe fazer um curso de administração. E as pessoas ao redor ficam admiradas quando você diz que faz administração. E sua família toda sabe disso, seus amigos. Você faz amizades na área. Imagine agora mudar tudo isso. Trancar o curso. A quantas pessoas você não vai ter que se explicar? Quantas pessoas não mostrariam alguma rejeição? Pessoas importantes...

Quanto às áreas não convencionais, agora. Você resolve fazer filosofia. Seu pai reprova. Vai viver de quê? Sua mãe não sabe o que faz um filósofo. Pergunta, jocosamente (ainda que sem usar a palavra "jocoso"), se você vai vestir lençóis brancos na praça da cidade. Os gregos acabaram. Atenas já era. Mas sua mãe não sabe o que faz um filósofo hoje em dia. Até tem uma idéia. Eles podem dar aulas. Mas isso é mais assustador ainda, tratando-se de Brasil como pano de fundo. Tudo bem, ainda assim, a idéia é válida. Os pais frequentemente não são o elo determinante da personalidade e nem mesmo os agentes de mais peso no mundo existencial do filho. Isso é um inferno para os pais. Para o resto do mundo, é simplesmente como o mundo funciona. Se você então tem amigos que amam a filosofia, se gosta de ler sobre o assunto, se conhece pessoas que se formaram nessa área e que estão felizes e que gostam da vida que têm, não importa quantos problemas tenham e quantas reclamações possam fazer sobre esses problemas, haverá aí uma coesão de grupo que quebrará sua solidão. E você terá uma enorme pressão para manter sua coerência de estudar filosofia.

Tudo muito simplificado, não quero teorizar muito, mas a idéia principal está aí. E pensar que o mundo é assim mesmo, que é o jeito natural das coisas, e aí pensar na minha vida, me faz refletir e chegar a algumas conclusões... Talvez seja possível resumí-las.

Tô fodido.

Éfe ó dê i dê ô.

Por que terei sempre solidões demais ao meu redor e talvez por isso venho aprendendo a gostar delas. Isso exige muito para que eu mantenha um caminho, qualquer que seja. Explica eu ter saído de um curso na faculdade e a dificuldade que tive em terminar o outro. Explica eu ainda não saber tocar violão. Não aprender alemão. Meus ritmos são mais lentos, mas sei que não terei o triplo de anos para concluir minha vida. Por que é que eu estou fodido? Por que estou em mundos demais, o que é um problema, mas gosto demais dos mundos demais a ponto de não conseguir largar nenhum deles. O que significa que, no global, sempre estarei cercado de mais gente que não entende minha vida do que gente que entende.

Mundos demais?

Gosto de jazz. Adoro jazz. Jazz clássico. Gosto de música clássica também. Sala São Paulo, Teatro Municipal, Rádio Cultura. Mas adoro pular todo molhado de suor no meio de uma multidão de show de rock, ou pegar um microfone e berrar agudos mal ajustados exaurindo pulmões e diafragma achando que o mundo inteiro está me ouvindo. Faço uma martelação sem sentido na bateria, quebrando periodicamente algumas baquetas, e nem me importo com a falta de estilo estudo técnica ou beleza. É barulho, relaxa.

Converso com eruditos mas a estupidez também me fascina.

Gosto da minha solidão. De mergulhar nela, nos meus livros, sons e pensamentos. Depois eu saio e tudo do mundo para mim serve. Vejo muita gente chata por aí, mas mesmo com elas tendo a me dar bem, uma espécie de neutralidade. Porque, se por um lado são chatas certas pessoas, a chatice me facina. Existindo minha solidão particular, lá no meu canto, sei que vou voltar a ela depois, então não preciso ter medo de me escravizar à chatice alheia. Fico lá, observando atentamente seus detalhes, e depois volto para casa, tranquilo, enquanto todo mundo ao redor se corroeu e se revoltou. Olho isso acontecendo e acho curioso.

Me dou bem entre desconhecidos. Acho um canto meu. Olho. Dizem que tenho uma certa facilidade para me enturmar. Eu já acho diferente. Eu acho que tenho uma certa facilidade para me misturar sem estar no meio. De repente falo com todos, mas deixo todos ainda tão sufientemente à vontade, que efetivamente não estou ali. Pois é a melhor posição para ficar só olhando, veja que maravilha.

E aí? E quando é assim? Esse isolamento ainda tem muito a ver com divórcio dos meus pais ou é algo mais fundamental? Ou é algo mais fundamental, hoje, mas que tem suas origens nessas conturbações do passado?

Gosto do meu tipo de conforto. Mas posso estar no meio de gente rica, iates e lanchas e essas coisas, ou viajando em um carro velho, tudo dando errado, chuva e lama, e está tudo bem. Sentindo que a vida está acontecendo, está tudo bem.

Gosto de mundos demais, e efetivamente, ultimamente, estou em mundos demais. O que seria preocupamente, não fosse algo mais preocupante ainda: não é o bastante. Não sou um contador, sou um cara de humanas. Tá bom. Não no sentido de que eu não goste de exatas, que eu não tenha meus interesses aí, mas sim em um outro sentido. Passo tempo demais mergulhado nas exatas de um jeito que ainda não gosto, e é isso que eu quero diminuir. Achar um jeito de fuçar ainda mais no mundo. Um jeito de ter mais coisas para escrever. Passar o dia fechado em uma mesma sala sem janelas fazendo um programa de computador para calcular esforços físicos dentro de uma chapa de metal... Bem, isso é interessante, um pouco, pra se ver como é que funciona. Mas já experimentei dessa vida, já sei como é que é. Ainda que essa carreira resulte em viagens exóticas às vezes e em algumas viagens pelo Brasil, estou atrás de outra coisa. Tudo bem, tem o problema do salário para contornar, mas hoje estou atrás de outra coisa. Espero que o meu mestrado possa me ajudar com isso. É um mestrado que se aproveitará de tudo o que eu consegui realmente aprender de exatas, programação em computador, cálculos e tudo o mais, mas ao mesmo tempo dará todo o espaço do mundo para minhas paixões humanisticas serem mais inspiradoras.

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