quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Foco no indivíduo

Terminei ontem a leitura do "Esculpindo personalidades". Título um tanto quanto estranho para um economista mas alinhado com os demais trabalho de Claudio Stanheddas. O autor faz uma ponte entre a psicologia e as teorias econômicas e não é exagero dizer que sua escrita é também uma ponte entre a literatura e o academicismo.

Já se tornou lugar comum nos meios intelectuais dizer que o trabalho de Stanheddas tem o foco de sua análise no trabalhador. De fato o economista não está preocupado com as variações do PIB ou a produtividade que uma determinada organização confere à empresa. Sua preocupação principal é relacionar as estruturas de trabalho à totalidade de experiência de vida possibilitada ao trabalhador. Porém, uma vez que esta experiência de vida abrange muito além daqueles aspectos ligados à atividade profissional, julgo mais apropriado dizer que Stanheddas tem seu foco não no trabalhador mas sim no indivíduo. Afinal, um trabalho estritamente preocupado com o ser humano enquanto recurso de produção jamais dedicaria um capítulo inteiro à relação entre "Organização da empresa e o amor", nem muito menos se aventuraria a fazer ainda o caminho inverso ao investigar o "Tempo com os filhos e potencial de inovação".
Na introdução o leitor já encontra o alerta de que tem em mãos um material de escopo diferenciado. Tais aberturas são comuns nas obras deste acadêmico. Vale a pena aqui dar a voz ao próprio autor:

"A economia é um sistema complexo, e isso o digo no sentido moderno do termo. Não possui hierarquia rígida, todas as partes se influenciam mutuamente e o alcance de interações frequentemente têm alcances imprevisíveis, podendo grandes mudanças ser absorvidas por uma forte resiliência ou inputs aparentemente pequenos levarem a alterações exponencialmente crescentes. Embora análises tradicionais da economia sejam centralizada em seus meios e resultados, o moderno entendimento teórico da complexidade sugere que houve negligência histórica na análise do agente em si - suas propriedades e a relação destas para com o sistema em que está inserido. O agente principal da economia é a pessoa, o indivíduo. Abordagens específicas propuseram tratar a empresa como entidade fundamental e análises mercantilistas muitas vezes consideravam todo um país como um bloco básico de análise, tal qual o faz a chamada abordagem macroedonômica de hoje. Tais abordagens são do tipo top-down não sendo, portanto, pertencentes ao modelo de análise sugerido pela teoria da complexidade. Estas são as razões, digamos assim, teóricas, para o destaque que se dará nesta obra à pessoa individual. Mas há também, claro, uma outra razão.

A história da economia moderna segue linhas institucionais. Trata, por vezes, do ponto de vista da empresa, buscando maximizar lucros e eficiências. Noutras vezes, em estudos mais classicamente ligados a setores da sociologia e humanidades menos endinheiradas, aborda o lado dos sindicatos, organizações de trabalhadores ou simplesmente do interesse dos trabalhadores em geral ainda que não pertencentes a um bloco institucionalmente organizado. De algum modo ligado a este segundo grupo estão os estudos que tratam dos pobres em geral, pois podemos pensá-los como trabalhadores latentes desconectados do sistema (ainda que esta latência possa, e frequentemente tenha, a duração de toda a vida das pessoas em questão). Estas abordagens são inerentemente parciais. E, por serem parciais, instigam algum tipo de conflito não importando o quanto tenham, em suas origens, se proposto a combater algum outro. É por isso que neste trabalho ouso tratar do indivíduo enquanto tal, enxergando sua colocação na posição de empregador ou empregado como atributos secundários e reconhecendo, explicitamente, que a característica original - indivíduo, é completamente comum a ambos os agentes. Tal estrutura analítica é sugerida pela teoria da complexidade quer em seus preceitos quer pelas linguagens de programação tradicionalmente empregadas para estudos computacionais específicos: as linguagens orientadas a objeto pressupõe uma classe de variáveis às quais serão dados diversos atributos. Nada mais lógico, portanto, em uma abordagem bottom-up, do que começar por uma variável "indivíduo" ou "pessoa" e atribuir-lhe então atributos iniciais que podem muito bem começar por "empregador" ou "empregado". Fica explícita, portanto, a possibilidade de trânsito de uma mesma pessoa entre as duas categorias. Ou até o pertencimento às duas funções em contextos específicos.

Finalmente, e não há porque não o dizê-lo explicitamente, a abordagem desenvolvida nesta obra deve-se também a uma questão de escolha subjetiva que podem, sem receio quanto à rejeição acadêmica ao termo, ser dita como primordialmente utópica. Quero entender a relação entre as estruturas econômicas e a experiência existencial de cada pessoa porque enquanto estas duas entidades forçarem demasiadas tensões entre si, teremos um cenário em que a economia fere a vida daqueles que a sustentam e que estes se rebelam, de diversas maneiras possíveis, contra a estrutura que deveriam sustentar. E finalmente, em última análise, enquanto a economia não oferecer a possibilidade real, viável, de vidas desejáveis para a totalidade daqueles que a compõe, pouco importará o sucesso de qualquer outro indicador. Sucesso econômico às custas de tragédias de vidas deve ser clara e explicitamente visto como algo indesejável e falho."

Não vou comentar mais sobre o desenvolvimento do livro. Com uma introdução desta, quem ainda ousaria dizer que não se interessou?

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