Não, não. Nada de poesias apaixonadas agora. Tá tarde e amanhã é segunda-feira. Comportemo-nos. Venho aqui por outra razão. Um pedido, uma súplica, um clamor à multidão, como queiram...
NÃO DESPERDICEM AS PESSOAS!
As pessoas ao nosso redor, com quem cruzamos todos os dias; ou as do outro lado da cidade. Cada uma, um espetáculo à parte. Um baú de repente encontrado no sótão. Um presente de natal ainda não desembrulhado.
A moça quieta no trem que, quebrada barreira do isolamento por conta de um incômodo celular, contou ser intérprete para surdos e mudos em uma faculdade.
Todos os dias temos algum tipo de contato com pessoas diferentes, nem que seja um mero acaso de proximidade física. Nem que seja estar acessando o mesmo site ou olhando para a Lua ao mesmo tempo. Sempre que possível, fale com as pessoas.
O velho senhor de chapéu, roupas simples, sandalha velha, olhar distante e sorriso puro, que com muita luta contruiu ele mesmo quinze casas e os filhos que ajudaram em algumas delas. Que de tanto trabalhar em obras, conversava com a terra. Anteviu o desmoronamento de um barranco quando todos os engenheiros professavam o contrário, e salvou duas vidas.
Eu tenho minha histórias estranhas. Guardadas comigo. No metrô, de mochila, tênis, jeans e camiseta pólo, sou um estudante e nada mais, ninguém diria outra coisa. E baguncei em viagens, cantei desafinado. Vi acidentes ao vivo e corri com uma gestante hospital adentro. Muito além do grafite, papel e integrais. Quem desconfiaria?
A senhora que carregava um Voltaire no metrô. Aluna de filosofia, pensei. Certeza. E estava redondamente enganado: uma parapsicóloga investigando segredos da existência e desesperada por descobrir onde se esconde a seita que realiza os rituais que, todas as noites, ela vive em sonhos vívidos. Uma louca, doida: uma conversa e tanto!
Ou o analista bancário que me encheu de dica sobre ações muito além do que jamais conseguirei lembrar. A velha miúda com fotos de família na bolsa e histórias do marido desleixado que ela amava insistir para pentear o cabelo e para quem fazia roupas e mais roupas com as próprias mãos. O menino que me perguntou tudo sobre o livro que eu lia, para o embaraço dos pais, e em quem cada resposta despertava dez novas curiosidades vivas e inquietas.
O tio de uma amiga minha, pessoa que por um ano cumprimentei quase toda semana para só então descobrir que ele havia viajado o Brasil em sua infância com um grupo de teatro, chegara a montar um kibutz e a contrabandear livros de comunismo debaixo da ditadura.
O torneiro mecânico, fala simples e modos rústicos, com melhores idéias para emprego das máquinas ociosas que qualquer empresário ou gerente que já olhara aquele galpão. "Um curso técnico, sabe? Os menino faz aí uma profissão. Montá o que? Sei lá, coisas pra cadera de roda, ou qualqué coisa que possa doá depois pra hospital, quem precisa! E a máquina daí num fica parada, num enferruja assim, que dá até dó!"
E tem tão mais por aí. Têm sim fatos bizarros, fatos marcantes, feitos e efeitos notáveis. E mais ainda: há tanta profundidade também. As pessoas têm vidas dessas que se espalham pros lados em afazeres, histórias e compromissos. Mas essas mesmas vidas afundam pra dentro em sonhos, prazeres, medos, desejos, raivas e risos. Estes temperos todos que fazem do cotidiano mais banal um épico mais épico que derrubadas de impérios, conquistas das montanhas e estrelas ou qualquer coisa que afete o preço do dólar.
Um mar sem fim. Nas pessoas que nos aparecem por acaso. Não ignore os acasos! Pergunte, converse, olhe, escute, insista, sorria sempre nos olhos, lábios e modos, e tenha uma certeza: há sempre mais para além do que vemos nos outros, não importa o quão fundo fuxiquemos. Sempre, sempre mais!
domingo, 6 de abril de 2008
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