Vão ouvir você tocando piano e vão dizer que está perdendo seu tempo. "Ele é meu amigo, se está me criticando é para o meu próprio bem. Está sendo sincero". Aí vão observar um garoto, talvez asiático, com doze anos, tocando Satie ou Chopin maravilhosamente bem. "Tá vendo só? Isso é que é saber tocar! Eu realmente estava perdendo meu tempo!"
Será? As pessoas são pródigas em criticar umas às outras, abertamente ou não - com uma preferência clara pela segunda modalidade. Mas é fato: destruindo o prazer e o incentivo ao aprendizado, nada que dependa do aprendizado irá acontecer. Praticar e errar praticando é parte fundamental do aprendizado de qualquer coisa complexa: tocar piano, escrever bem, dirigir, trabalhar com um software complexo, qualquer coisa. Os cientistas Herbert Simon e William Chase estimaram que os grandes "gênios" gastaram entre 10.000 e 50.000 horas aprimorando suas habilidades até chegarem ao estágio de excelência em que todo mundo olha para eles e diz "olha só! nasceu com esse dom!".
Não deixe o mundo destruir seu prazer em aprender, em tentar, em apreciar cada tentativa - acertada ou não - e crescer com ela. Milhares de horas depois, todos vão te invejar, embora ninguém resolva seguir seu caminho pois vão ver que não são como você, não "nasceram com o dom"...
quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
Dos movimentos
Nenhuma certeza está correta ou, mais comedidamente, nenhuma certeza pode estar certa de estar correta, em bases racionais. Ainda assim o que seria do mundo sem as pessoas mergulhadas em certezas? Verdadeiros nortes para todas as navegações humanas. Idiotas que não sabem o que fazer e viciados em pensamento que sentariam a vida inteira a meditar sobre alternativas... todos eles tornam-se escravos zumbis das pessoas cheias de certeza quando o magnetismo destas lhes gira a bússola interior.
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
Foco
- Então você nem reparou nos brincos que eu estava usando ontem?!
- Desculpe, seus olhos estavam no caminho.
- Desculpe, seus olhos estavam no caminho.
terça-feira, 1 de outubro de 2013
Nobel
Em uma era com tamanha massificação do mal gosto, pode haver reconhecimento maior do que esse meu anonimato todo?
segunda-feira, 30 de setembro de 2013
Adoniran
As palavras têm rosto
Claro que têm
Um rosto diferente do meu
E que eu não sei se é mais bonito
E que não sei se é mais feio
E ainda assim, de certa forma
É um rosto que também é meu
E quando me olham nos olhos
Esses outros olhos
Por vezes gostam
Por vezes não
E se me gostam nos meus olhos
Meus olhos mesmo
Se me gostam ou não
É coisa que, com aquela,
Não guarda relação
Claro que têm
Um rosto diferente do meu
E que eu não sei se é mais bonito
E que não sei se é mais feio
E ainda assim, de certa forma
É um rosto que também é meu
E quando me olham nos olhos
Esses outros olhos
Por vezes gostam
Por vezes não
E se me gostam nos meus olhos
Meus olhos mesmo
Se me gostam ou não
É coisa que, com aquela,
Não guarda relação
domingo, 29 de setembro de 2013
Teatro
Uma calça se transforma em um cachecol. Em um laço. Em uma cerca. Em uma serpente ameaçadora.
Um pote plástico transmuta-se num tambor. Numa bomba. Num tijolo. Num livro.
Um coador plástico de repente é uma lupa, uma válvula, uma máscara.
E nos ensaios, os mundos faz de conta impunham-se reais. E cada hora ali provava que os sonhos mais impossíveis aconteciam, diante dos olhos de todos, e as pessoas viam, viviam, e as estrelas, de inveja, tremiam.
Um pote plástico transmuta-se num tambor. Numa bomba. Num tijolo. Num livro.
Um coador plástico de repente é uma lupa, uma válvula, uma máscara.
E nos ensaios, os mundos faz de conta impunham-se reais. E cada hora ali provava que os sonhos mais impossíveis aconteciam, diante dos olhos de todos, e as pessoas viam, viviam, e as estrelas, de inveja, tremiam.
sábado, 28 de setembro de 2013
Primeira Lei da Termodinâmica
É uma troca justa: quando a vida acontece, a arte espera. E vice-versa.
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sexta-feira, 27 de setembro de 2013
Inquieto
Quem é você? Quem é você, que eu vejo de longe, que eu imagino? Quem é você que eu leio à noite em trechos jogados? Quem é você que aparece e some? Dona de desejos alegres, vivos, um sorriso inspirador. Quem é você que não está quando eu apareço? Que quando a porta se abre, não está? Que quando não procuro escreve dizendo "estava lá!". Vou te dar um abraço apertado pelos últimos dezesseis bilhões de anos em que a gente não se fala... e, quem sabe, um beijo...
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
Estúdio
Ele chegou cedo. Ficou sentado num canto, do lado da mesa de som, de frente para o palco. Pessoas foram chegando. Em casais, em grupos. Ele olhando. Batucando na perna, na bota, e olhando. E a banda seguia tocando músicas e mais músicas. As pessoas ouviam, dançavam, olhavam, se beijavam, se conversavam, se misturavam. E ele ali, olhando. Ansioso, o tempo não passava nunca. Desesperado, o tempo passava rápido demais.
Dos garimpos
Nos melhores garimpos do mundo, quantas e quantas toneladas de terra são retiradas para cada grama de ouro encontrada?
Quantos metros cúbicos das mais pesadas rochas são extraídas e destruídas para cada pequeno diamante descoberto?
Nos melhores garimpos da vida, quantas e quantas pessoas você receberá com o melhor de você até encontrar aquela pessoa especial que valeu todas as tentativas?
Com as pessoas mais profundas que conhece, quantas e quantas horas de experiências e conversas triviais até encontrar seus valores mais profundos e sua humanidade mais verdadeira?
Procure diamantes, mas procure-os nas almas. Só esses são eternos e ternos.
Quantos metros cúbicos das mais pesadas rochas são extraídas e destruídas para cada pequeno diamante descoberto?
Nos melhores garimpos da vida, quantas e quantas pessoas você receberá com o melhor de você até encontrar aquela pessoa especial que valeu todas as tentativas?
Com as pessoas mais profundas que conhece, quantas e quantas horas de experiências e conversas triviais até encontrar seus valores mais profundos e sua humanidade mais verdadeira?
Procure diamantes, mas procure-os nas almas. Só esses são eternos e ternos.
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
Deixa
Procrastinar... Eu não sei porque faço isso, se por desgosto das coisas que tenho por fazer, ou se por paixão desses instantes de não fazer nada em que todos os esforços mentais dedicam-se a sonhar com o futuro, desenhá-lo de infinitas formas possíveis e impossíveis.
Cada fazer cessa um sonho. Eu gosto de sonhar...
Cada fazer cessa um sonho. Eu gosto de sonhar...
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terça-feira, 24 de setembro de 2013
Beijo
Ah, querida! Quero você livre, quero você livre... E, livre como lhe quero, lhe deixarei, e deixei que construa seus infernos todos. E aí, quem sabe assim num dia, não descobre suas mãos e palavras também capazes de criar paraísos? Porque lá fora no mundo tudo é os dois: o certo e o errado, o bom e o ruim. E mais: e dentro da gente também! De mim, quis sempre investigar as dúvidas e os receios. Deixei que trouxesse todos à tona. Apaixonou-se pelo melhor de mim e feriu-se desenterrando meu pior. Por que perguntar pelas dúvidas depois dos dias de silêncio ao invés de comemorar a quebra da distância? Por quê? Eu não sou nem quero ser o último porto seguro do acolhimento incondicional.
Desculpe, talvez eu até pudesse concordar que há coisas no mundo que não são como deveriam ser se, por princípio, eu já não pensasse que a natureza é a medida final e que errado é substituí-la por imaginações idealísticas. É assim que funcionamos, eu você e todos. É aí que nossa assimetria nasceu, e se foi contra você, poderia muito bem ter sido contra mim. Acasos... A que me refiro? A esta mecânica no afeto: se morres por mim, morres em mim.
Desculpe, talvez eu até pudesse concordar que há coisas no mundo que não são como deveriam ser se, por princípio, eu já não pensasse que a natureza é a medida final e que errado é substituí-la por imaginações idealísticas. É assim que funcionamos, eu você e todos. É aí que nossa assimetria nasceu, e se foi contra você, poderia muito bem ter sido contra mim. Acasos... A que me refiro? A esta mecânica no afeto: se morres por mim, morres em mim.
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segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Deprimido
Não há muito o que fazer quando não se acredita nos compromissos.
Vão se esvaziando todas as atividades, as ocupações.
E meus desânimos desincentivam minhas forças.
E minhas forças se minguam tristes.
E meus silêncios se emparedam.
E minhas paredes esfriam.
E meus rins se cansam.
Meus pulmões param.
Meu ar cessa.
Morro.
Não há muita poesia numa vida de dúvidas.
E minhas dúvidas engessam meus dias.
Nada acontece, há anos.
Os dias pararam.
Estou parado.
Estático.
Parado.
Outro dia quis ter outra vida,
Uma vida diferente dessa,
Uma vida com ânimos.
Uma vida de risos.
Existência feliz.
Sorrir sempre.
Olhar bom.
Feliz
A depressão é assim funda
Funda e imunda e suja
E pegajosa e oca
e infinita
pra baixo
f
u
n
d
o
Vão se esvaziando todas as atividades, as ocupações.
E meus desânimos desincentivam minhas forças.
E minhas forças se minguam tristes.
E meus silêncios se emparedam.
E minhas paredes esfriam.
E meus rins se cansam.
Meus pulmões param.
Meu ar cessa.
Morro.
Não há muita poesia numa vida de dúvidas.
E minhas dúvidas engessam meus dias.
Nada acontece, há anos.
Os dias pararam.
Estou parado.
Estático.
Parado.
Outro dia quis ter outra vida,
Uma vida diferente dessa,
Uma vida com ânimos.
Uma vida de risos.
Existência feliz.
Sorrir sempre.
Olhar bom.
Feliz
A depressão é assim funda
Funda e imunda e suja
E pegajosa e oca
e infinita
pra baixo
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domingo, 22 de setembro de 2013
Três da tarde
Se eu estou criando, estou feliz. Que importa a criação em si, afinal? Sua qualidade, seu acabamento? Deus, o criador supremo, que nós mesmos veneramos e tudo o mais, num momento de inspiração não se deu ao trabalho de fazer nada melhor do que este mundo que está aí fora. Que qualquer um poderia imaginar melhor sem a mínima dificuldade. Que tanto trabalho dá a teólogos e filósofos para a elaboração de pesadas justificativas para os problemas existentes dentro dos moldes de alguma lógica maior. Que tão ridículo torna o otimismo incontorcível de Pangloss. Estou criando, e estou feliz. Ficar sentado à beira da cama, olhando a sombra dos móveis mudar de lugar... Isso não legal. Mudar o mundo, isso não é pra mim. Não de forma desesperada. Mudo o mundo sendo o que sou e deixando que as conseqüências reverberem. Não quero mudar o mundo dos outros, quero meu mundo aos meus moldes. Quem se inspirar, que faça um bom proveito do que vê.
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sábado, 21 de setembro de 2013
Geopolítica
Quando eu estava na primeira guerra mundial, não sabia de que lado lutar. Acordava, abria o guarda roupa e escolhia das fardas a mais bem passada. E aí ia para o lado do exército de farda igual. Curioso... Pensando agora, nessa retrospectiva figurinística, quem realmente decidia de que lado da guerra eu ia lutar era minha mulher. Farda tal mais bem passada, luto com os franceses. Farda outra mais bem passada, engomada, luto com os alemães. Não falo francês nem alemão, e isso pouco importava. A gente dava tiro, e tiro é tudo igual não importa em que língua. Ainda hoje fico sem entender como é que os alemães foram perder a guerra se de todos os exércitos que se meteram a besta nessa de brigar eram eles os que tinham as fardas sempre mais bem passadas e engomadas!
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sexta-feira, 20 de setembro de 2013
Algema
Não, não! Pelo amor de Deus, não me olhe assim em todos os instantes, em todas as frestas! Onde é que eu deixo meu eu sozinho se você me absorver assim?! Eu serei seu apenas na medida em que eu existir sozinho para me reformar, me purificar, me individualizar de novo até restituir minha unidade depois de cada vez que nos misturarmos. Só com duas unidades completas é que se soma uma dupla, não é mesmo? Preciso da minha solidão. Deixe meus espaços de solidão em paz.
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quinta-feira, 19 de setembro de 2013
Massa zero
Você por acaso já acordou e, ao olhar em volta, ao olhar pra você... Ao olhar pela janela... de repente sentiu essa profunda sensação de não ter certeza de quem é? Sua vontade para as coisas do dia não existe, você não a encontra. Seus trabalhos não fazem sentido. Não há um desespero, uma razão profunda para que você saia da cama e vá movimentar-se pelas próximas horas. Pouca diferença faz sair ou não. Nenhuma diferença faz. Seu dinheiro chegará da mesma forma. As pessoas lhe tratarão bem, com apreço, quer você vá quer você fique. Nada mudará no mundo. Seu existir se iguala a um inexistir e você então fica atordoado diante da magnitude transuniversal dessa incontornável insignificância. Já se sentiu assim? Não é nada interessante...
O mundo continua lá fora a despeito total do que sinto aqui dentro. À revelia do que faço, do que deixo de fazer, do que sou, do que não sou.
Li que os físicos detectam no espaço a presença de matéria escura pelo efeito gravitacional que ela exerce à sua volta. Um sujeito sem gravidade social é efetivamente um sujeito sem massa social? Sou um humano verbalizado, letrado, vestido e vacinado, e ainda assim, de certa forma, um apêndice da sociedade.
Não se interessam pelo que penso do petróleo, das crianças doentes, da fome, das doenças, das desigualdades ou das guerras. Eu também, para todos os efeitos mensuráveis, diante de todas as marcas que estou deixando para os arqueólogos de daqui a mil anos, também não me interesso por nada disso.
Já acordou assim algum dia?
O mundo continua lá fora a despeito total do que sinto aqui dentro. À revelia do que faço, do que deixo de fazer, do que sou, do que não sou.
Li que os físicos detectam no espaço a presença de matéria escura pelo efeito gravitacional que ela exerce à sua volta. Um sujeito sem gravidade social é efetivamente um sujeito sem massa social? Sou um humano verbalizado, letrado, vestido e vacinado, e ainda assim, de certa forma, um apêndice da sociedade.
Não se interessam pelo que penso do petróleo, das crianças doentes, da fome, das doenças, das desigualdades ou das guerras. Eu também, para todos os efeitos mensuráveis, diante de todas as marcas que estou deixando para os arqueólogos de daqui a mil anos, também não me interesso por nada disso.
Já acordou assim algum dia?
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quarta-feira, 18 de setembro de 2013
Exorcismo
Sai, saia daqui! Saia de dentro de mim!
Preciso tirar esse demônio de mim. Esses demônios todos. Essa confraria do mal. Esse inferno inteiro do meu íntimo preciso tirar agora imediatamente.
E esse demônio sou eu.
Preciso deixar de ser outro a cada pequeno depois.
Preciso deixar de lembrar das coisas erradas.
Preciso deixar de precisar dessas necessidades que corroem.
Desejos diferentes, sonhos, sabores. Meu paladar muda a toda hora. Já experimentou isso? Já leu Shakespeare e Paulo Coelho na mesma noite e ficou em dúvida sobre quem seria genial? Já ouviu a suíte para cellos de Vivaldi e depois arrematou com um bom e adequado Zezé di Camargo & Luciano? Nem eu cheguei a tanto, mas hipérboles me divertem num sarcasmo de sorriso largo.
Que nojo de mim. Que podre. Quero o casamento eterno e apaixonado. Quero a putaria porca e imunda dos relacionamentos despurodados de segundos.
Quero todas as vidas. E nenhuma dessas é minha vida.
Preciso tirar esse demônio de mim.
E depois experimentar demônios diferentes. Porque é incorrigível. Porque não vou achar graça em corrigir.
Preciso tirar esse demônio de mim. Esses demônios todos. Essa confraria do mal. Esse inferno inteiro do meu íntimo preciso tirar agora imediatamente.
E esse demônio sou eu.
Preciso deixar de ser outro a cada pequeno depois.
Preciso deixar de lembrar das coisas erradas.
Preciso deixar de precisar dessas necessidades que corroem.
Desejos diferentes, sonhos, sabores. Meu paladar muda a toda hora. Já experimentou isso? Já leu Shakespeare e Paulo Coelho na mesma noite e ficou em dúvida sobre quem seria genial? Já ouviu a suíte para cellos de Vivaldi e depois arrematou com um bom e adequado Zezé di Camargo & Luciano? Nem eu cheguei a tanto, mas hipérboles me divertem num sarcasmo de sorriso largo.
Que nojo de mim. Que podre. Quero o casamento eterno e apaixonado. Quero a putaria porca e imunda dos relacionamentos despurodados de segundos.
Quero todas as vidas. E nenhuma dessas é minha vida.
Preciso tirar esse demônio de mim.
E depois experimentar demônios diferentes. Porque é incorrigível. Porque não vou achar graça em corrigir.
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terça-feira, 17 de setembro de 2013
Completa
Sexo. Sabe como funciona? Antes de mais nada, tem que haver tesão...
Sim sim, você ama a pessoa, você respeita, você trata bem e tudo mais. Isso talvez seja pré-requisito para você entrar na brincadeira. Mas uma vez que aceitaram teu ingresso, jogue-o fora. Agora o papo é outro...
Tesão. Uma espécie de sede selvagem. A boca salivando querendo sentir o sabor de tudo. O corpo querendo contato. Suor. Carinhos que oscilam entre leves afagos e arranhados. Gemidos de desespero. Mais, mais maismais! Algo incontido! Tem que transbordar.
É isso: selvagem. E no entato, impressionante, não nos contentamos só com isso. A pessoa com quem estamos importa. Existem por aí muitas que gritariam mais. Outras, quem sabe, pulalriam em cima de mim e me deixariam louco. Será?
Minha falta de empatia se transfigura fácil em um tipo de desprezo. Não consigo ir pra cama com qualquer uma. Uma gostosa, gostosíssima que todos invejariam... Se for burra, ruim de papo, não vai rolar... Minha mente vai se abstrair de tudo aquilo e ficar meditando no quão vil é aquela pessoa... E nada mais vil que sexo, que é o que eu quero, que é o que eu gosto... Mas tem que ser com alguém que tem vida. Talvez isso seja porque os espíritos não tolerem deixar os corpos ali, sozinhos, transando... Querem transar também. Espírito copulando com espírito. E, para isso, precisam se querer. E tesão de espírito não é por questões de corpo, já que são imateriais. Obviedades...
Tem loira gostosa com espírito canhão desdentado. Tem mina meio capenga com espíritos deslumbrantemente tesudos.
E se eu achar a melhor das combinações, agarro e não largo nunca mais!
Sim sim, você ama a pessoa, você respeita, você trata bem e tudo mais. Isso talvez seja pré-requisito para você entrar na brincadeira. Mas uma vez que aceitaram teu ingresso, jogue-o fora. Agora o papo é outro...
Tesão. Uma espécie de sede selvagem. A boca salivando querendo sentir o sabor de tudo. O corpo querendo contato. Suor. Carinhos que oscilam entre leves afagos e arranhados. Gemidos de desespero. Mais, mais maismais! Algo incontido! Tem que transbordar.
É isso: selvagem. E no entato, impressionante, não nos contentamos só com isso. A pessoa com quem estamos importa. Existem por aí muitas que gritariam mais. Outras, quem sabe, pulalriam em cima de mim e me deixariam louco. Será?
Minha falta de empatia se transfigura fácil em um tipo de desprezo. Não consigo ir pra cama com qualquer uma. Uma gostosa, gostosíssima que todos invejariam... Se for burra, ruim de papo, não vai rolar... Minha mente vai se abstrair de tudo aquilo e ficar meditando no quão vil é aquela pessoa... E nada mais vil que sexo, que é o que eu quero, que é o que eu gosto... Mas tem que ser com alguém que tem vida. Talvez isso seja porque os espíritos não tolerem deixar os corpos ali, sozinhos, transando... Querem transar também. Espírito copulando com espírito. E, para isso, precisam se querer. E tesão de espírito não é por questões de corpo, já que são imateriais. Obviedades...
Tem loira gostosa com espírito canhão desdentado. Tem mina meio capenga com espíritos deslumbrantemente tesudos.
E se eu achar a melhor das combinações, agarro e não largo nunca mais!
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segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Aquele chato do bar
Ele era um grande de um filho da puta que sabia desde sempre que aquilo era pra lugar nenhum. E claro que não contou pra ela. Sabia que ela acreditava ter achado um grande amor, e sabia que seria incapaz de corresponder. E não contou pra ela. Um grande de um filho da puta. Desses que às vezes dava calote até no bar em que passava todas as tardes bebendo com os amigos. Falando mal dos outros. Contabilizando mulheres. Aumentando e inventando vantagens.
Ele era um grande de um filho da puta. Mas é fato: a gente ria com ele. Ele falava com desdém, quase cuspindo pro lado, todas essas coisas que se às vezes a gente se flagra pensando, faz um esforço danado pra virar pro lado e fingir que não aconteceu. A gente ria! O que mais ia fazer? Balançar a cabeça seriamente e concordar? Endossar aquela chuva de verdades? De modo algum. A gente ria. A gente ria sempre, gargalhava.
E era duplamente bom. A gente condenava como inconcebíveis todas as nossas verdades secretas, e de quebra voltava pra casa com o alívio de ter encarado o assunto de frente. Fuga, é verdade, mas só depois de olhar o bandido nos olhos.
Era um grande de um filho da puta. Mas todo mundo gostava dele.
Ele era um grande de um filho da puta. Mas é fato: a gente ria com ele. Ele falava com desdém, quase cuspindo pro lado, todas essas coisas que se às vezes a gente se flagra pensando, faz um esforço danado pra virar pro lado e fingir que não aconteceu. A gente ria! O que mais ia fazer? Balançar a cabeça seriamente e concordar? Endossar aquela chuva de verdades? De modo algum. A gente ria. A gente ria sempre, gargalhava.
E era duplamente bom. A gente condenava como inconcebíveis todas as nossas verdades secretas, e de quebra voltava pra casa com o alívio de ter encarado o assunto de frente. Fuga, é verdade, mas só depois de olhar o bandido nos olhos.
Era um grande de um filho da puta. Mas todo mundo gostava dele.
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Boa noite
Olho no fundo dos seus olhos, reparo no contorno das pálpebras. E mesmo em detalhes assim tão longínquios, lá de longe, de algum outro lugar no seu rosto, vem a luz do seu sorriso. Muito piegas dizer assim? Mas é assim que sinto. Seu olhar contém seu sorriso. Fala dos meus olhos. Diz que tenho olhos bonitos. E penso, sempre penso: de que adiantam olhos bonitos? Olhos bonitos não fazem rostos bonitos de olhar. Não fazem pessoas bonitas de olhar. Seus olhos não vieram com as cores da moda. Mas seu sorriso é perfeito e seu olhar é irresistível. Acaricio sua testa. Respira serena, paz. Queria que o universo inteiro sentisse sua paz. Meu universo sente. De repente você é meu universo todo e o mundo fica correto. Tanta coisa que não entendo, e de repente não me preocupo em saber mais nada. Estou feliz e basta. Obrigado.
domingo, 15 de setembro de 2013
Dos direitos
De que adiantaria eu registrar a autoria de algo, se eu não sei, para início de conversa, quem detém minha autoria? Seria me apoderar dos direitos de um outro que eu nem sei quem é. Injustiça e covardia ao mesmo tempo, inafiançável.
sexta-feira, 13 de setembro de 2013
Dois anos
Dois anos... daqui a dois anos este post estará indo para o ar.
Isso se o mundo não acabar.
Isso se o servidor ainda existir.
Isso se eu não o deletá-lo por qualquer dessas tantas bobeiras passageiras.
O que terá acontecido nesse meio tempo?
Como era a vida nesse dois anos atrás que ainda não existe?
Medos e sorrisos juntos no mesmo pacote. O saquê não embebeda o suficiente, e podia ser eu caído na calçada; me largaria lá.
E os sintomas de saudade? E a liberdade? E o colo?
A única, a única certeza...
É que o tempo vai e o vento vem e nada além . . .
Isso se o mundo não acabar.
Isso se o servidor ainda existir.
Isso se eu não o deletá-lo por qualquer dessas tantas bobeiras passageiras.
O que terá acontecido nesse meio tempo?
Como era a vida nesse dois anos atrás que ainda não existe?
Medos e sorrisos juntos no mesmo pacote. O saquê não embebeda o suficiente, e podia ser eu caído na calçada; me largaria lá.
E os sintomas de saudade? E a liberdade? E o colo?
A única, a única certeza...
É que o tempo vai e o vento vem e nada além . . .
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
Capítulos
Sou o nome de alguém que não existe e que ainda assim é tímido demais para publicar os próprios textos. Assim, além da capa pseudonômica escondendo o rosto e as canelas faço também de outras artimanhas: jogo os textos no quintal até outras eras.
E há pouco estava procurando coisas para colocar no blog. Coisas escrita dois anos atrás. Três anos atrás. Nem sei. Isso dribla a timidez. Depois de tanto tempo sou outro. Sendo outro, os textos não são meus, não completamente.
Mas algumas coisas, quando escrevi, pareciam abismos incontornáveis. A tristeza de um abandono, um momento difícil que eu precisava exteriorizar de qualquer jeito em uma tentativa louca de amansar as dores. E agora aconteceu uma coisa inacreditável: li um texto meu, um momento em que fui abandonado, uma expectativa cheia de pulsações que não foi correspondida. E, ao ler o texto... não pude me lembrar do que se tratava! A leitura não teve rosto. Não teve cheiro, não teve momento, não trouxe nome.
Diante desses esquecimentos algumas pessoas reclamam os efeitos nocivos do tempo. Choram a memória fraca. Outros julgam que a memória que se foi levou também uma oportunidade de aprendizado. O que aquela breve relação poderia ter me trazido de maturidade a mais foi pro ralo junto com os detalhes das lembranças...
Acho diferente. Acho que esse esquecimento é, justamente pelo esquecimento em si, o melhor que essa história tem a oferecer em termos de amadurecimento. A descoberta de que as coisas mais importantes e agudas que vivemos são ofuscadas pelo gigantismo do tempo até desaparecerem. A certeza de que não importa o quão grande seja o que quer que eu viva hoje, para o bem ou para o mal, o futuro é muito maior. E que venha o futuro.
E há pouco estava procurando coisas para colocar no blog. Coisas escrita dois anos atrás. Três anos atrás. Nem sei. Isso dribla a timidez. Depois de tanto tempo sou outro. Sendo outro, os textos não são meus, não completamente.
Mas algumas coisas, quando escrevi, pareciam abismos incontornáveis. A tristeza de um abandono, um momento difícil que eu precisava exteriorizar de qualquer jeito em uma tentativa louca de amansar as dores. E agora aconteceu uma coisa inacreditável: li um texto meu, um momento em que fui abandonado, uma expectativa cheia de pulsações que não foi correspondida. E, ao ler o texto... não pude me lembrar do que se tratava! A leitura não teve rosto. Não teve cheiro, não teve momento, não trouxe nome.
Diante desses esquecimentos algumas pessoas reclamam os efeitos nocivos do tempo. Choram a memória fraca. Outros julgam que a memória que se foi levou também uma oportunidade de aprendizado. O que aquela breve relação poderia ter me trazido de maturidade a mais foi pro ralo junto com os detalhes das lembranças...
Acho diferente. Acho que esse esquecimento é, justamente pelo esquecimento em si, o melhor que essa história tem a oferecer em termos de amadurecimento. A descoberta de que as coisas mais importantes e agudas que vivemos são ofuscadas pelo gigantismo do tempo até desaparecerem. A certeza de que não importa o quão grande seja o que quer que eu viva hoje, para o bem ou para o mal, o futuro é muito maior. E que venha o futuro.
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quarta-feira, 11 de setembro de 2013
Tinha que ser assim
É, vai embora, some! Não precisa voltar, não precisa aparecer, não precisa ligar. Não, eu não tenho explicações pra isso. Não, eu não quis que terminasse assim. Eu acreditei. Eu dei meus votos de futuro bom pra essa coisa toda. Eu quis você. O que foi que aconteceu afinal? Você é quem deveria me dar respostas. Você é menor que seus desejos de mim, e sua pequenês me enoja. Não é o que eu imaginava em você. Não a culpo, mas me decepciono. Eu ia te ver. Eu tomei banho. Eu penteei meu cabelo. Eu escolhi a roupa e gastei o restinho do melhor perfume. E você avisou que não iria. Então não vá nunca mais.
Não vá mais, pois pra mim não é algo pequeno... Era o que eu queria de você, era o que eu queria de você mais que seus beijos, seu corpo, seus abraços apertados ou seu olhar desesperado. Eu queria de você sua companhia. Eu queria você dentro da minha solidão. Você não quis ir. E agora só quero que se vá.
Não vá mais, pois pra mim não é algo pequeno... Era o que eu queria de você, era o que eu queria de você mais que seus beijos, seu corpo, seus abraços apertados ou seu olhar desesperado. Eu queria de você sua companhia. Eu queria você dentro da minha solidão. Você não quis ir. E agora só quero que se vá.
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terça-feira, 10 de setembro de 2013
Himalaia
Fiz de todos os esforços para entrar no seu mundo.
Entender suas alegrias. Não gosto de tomar cerveja.
Saíamos para tomar cervejas diferentes e aprendi a história de alguns rótulos. Não gosto de filmes de hollywood.
Íamos toda semana ao cinema e vimos os filmes que você queria ver e não víamos os filmes que você não queria ver.
Gosto de ler. Gosto de sair. Gosto de viajar.
E ficava com você na sua casa no sofá, cortinas fechadas, longe do Sol, assistindo televisão.
Tudo o que não gosto na tentativa de entrar no mundo de alguém que gosto: você.
Pois é, nem sei explicar o porquê de gostar de você, mas sei que fiz de tudo para valorizar suas alegrias. E agora sinto que não é recíproco. E mais uma vez você menospreza minhas alegrias. Tudo em mim que é bom diz respeito ao seu mundo, às atenções que lhe tenho, e todas as coisas do meu mundo são coisas que não prestam, distrações irresponsáveis e sem sentido. E além disso, ... , ... ah, esquece =/
Entender suas alegrias. Não gosto de tomar cerveja.
Saíamos para tomar cervejas diferentes e aprendi a história de alguns rótulos. Não gosto de filmes de hollywood.
Íamos toda semana ao cinema e vimos os filmes que você queria ver e não víamos os filmes que você não queria ver.
Gosto de ler. Gosto de sair. Gosto de viajar.
E ficava com você na sua casa no sofá, cortinas fechadas, longe do Sol, assistindo televisão.
Tudo o que não gosto na tentativa de entrar no mundo de alguém que gosto: você.
Pois é, nem sei explicar o porquê de gostar de você, mas sei que fiz de tudo para valorizar suas alegrias. E agora sinto que não é recíproco. E mais uma vez você menospreza minhas alegrias. Tudo em mim que é bom diz respeito ao seu mundo, às atenções que lhe tenho, e todas as coisas do meu mundo são coisas que não prestam, distrações irresponsáveis e sem sentido. E além disso, ... , ... ah, esquece =/
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segunda-feira, 9 de setembro de 2013
Quando o amor acaba
Ela ama livros.
Ela é independente, mora sozinha.
Ela é feminista sem ser chata.
Ela adora animais.
Tem um cachorro gigante.
Ela pilota motos.
Escuta rock e MPB com sorrisos e gingas.
Ela tem amizade com muitos,
Intelectuais ou marginais,
Boêmios ou abstêmios.
Mas ela gosta do que o Diogo Mainardi escreve,
E ela achou chata todas as crônicas do Antônio Prata que leu.
Adeus.
Ela é independente, mora sozinha.
Ela é feminista sem ser chata.
Ela adora animais.
Tem um cachorro gigante.
Ela pilota motos.
Escuta rock e MPB com sorrisos e gingas.
Ela tem amizade com muitos,
Intelectuais ou marginais,
Boêmios ou abstêmios.
Mas ela gosta do que o Diogo Mainardi escreve,
E ela achou chata todas as crônicas do Antônio Prata que leu.
Adeus.
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quinta-feira, 5 de setembro de 2013
quinta-feira, 29 de agosto de 2013
Acordes
Vou pegar o carro do meu pai. Escondido. Vou lá na casa do Guilherme. A galera tá falando que eu canto bem, deve ser verdade. Já pensou se dá certo? Viver de música. Nada de ir pra faculdade... A faculdade deve ser uma versão piorada da escola. Na escola, pelo menos, as pessoas acreditam que há algum futuro pela frente. Na faculdade já se sabe que nada vai dar em porra nenhuma, daí a galera só quer saber de ficar no bar e de empurrar tudo com a barriga. Esforçam-se, aliás, em desenvolver uma barriga melhor para uma missão tão nobre.
E se meu pai vier atrás de mim? E se eu bater o carro? E se a polícia me parar?
Mas a Cris vai estar lá quando eu chegar. Ela vai ver eu chegando dirigindo o próprio carro. Tá certo que vai ter um monte de playboy com carro rebaixado, turbo, coisa e tal. Mas eles já trabalham. São maiores. O meu carro pode ser zoado, pode nem ser meu, mas tem toda essa ousadia por trás. Quem pode competir com isso?
E se eu estiver jogando meu tempo fora? E se a vida não for nada além de estudar, trabalhar e pagar boletos entre uma fralda e outra? Talvez eu esteja jogando meu tempo fora.Talvez eu esteja alimentando ilusões. Talvez nenhuma dessas pessoas valha a pena.
Muitas perguntas. E não consegui responder a nenhuma delas em meus devaneios do Jabaquara ao Tatuapé.
E se meu pai vier atrás de mim? E se eu bater o carro? E se a polícia me parar?
Mas a Cris vai estar lá quando eu chegar. Ela vai ver eu chegando dirigindo o próprio carro. Tá certo que vai ter um monte de playboy com carro rebaixado, turbo, coisa e tal. Mas eles já trabalham. São maiores. O meu carro pode ser zoado, pode nem ser meu, mas tem toda essa ousadia por trás. Quem pode competir com isso?
E se eu estiver jogando meu tempo fora? E se a vida não for nada além de estudar, trabalhar e pagar boletos entre uma fralda e outra? Talvez eu esteja jogando meu tempo fora.Talvez eu esteja alimentando ilusões. Talvez nenhuma dessas pessoas valha a pena.
Muitas perguntas. E não consegui responder a nenhuma delas em meus devaneios do Jabaquara ao Tatuapé.
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quarta-feira, 28 de agosto de 2013
Decidida
Unhas caprichadas. Óculos de armação colorida, porém discreta, combinando com o restante das roupas. Feminina. E feminista. Até não poder mais. Mas com princípios, com a cabeça funcionando. Nada de querer queimar todos os homens na fogueira e querer que as mulheres assumam o comando de tudo como se tratasse de uma guerra definitiva. Abdicou do conforto do dinheiro paterno e foi viver sozinha. A renda mensal é pequena, mas alimenta o aluguel, as comidas, os livros, os cachorros e a gasolina. Os amigos que a vida não lhe trouxe, foi buscar por conta própria. Passa os dias da semana em um escritório driblando ordens mal dadas e desafios mal dimensionados. Chega a seus resultados como um náufrago que faz milagre para chegar à última ilha possível. Triunfa. Sua cabeça só tem futuros: cursos, viagens, livros por ler, risadas novas, encontros com os amigos, encontros de motoqueiros, shows de rock, fotos e poesias. Não há lugar para passados, rancores e solidões. Acredita na humanidade embora a humanidade a trate como uma aberração errada. Por que não ir logo para um emprego em que se ganha mais? Por que não casar logo e cuidar da casa sob o salário amordaçante do marido? Por que não ter filhos? Por que não parar de ler esses livros? Por que não aquietar esse feminismo que não muda o mundo e irrita os amigos? Ela sabe o que quer. Ela sabe quem ela é.
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terça-feira, 27 de agosto de 2013
Paralelos
Estou em uma livraria. Sentado em uma das mesinhas do café, me ocupo em escrever um livro.
Penso que seria ridículo ir a um açougue matar um boi, coisa que deve sempre ser feita em outro lugar.
Sou ridículo?
Penso que seria ridículo ir a um açougue matar um boi, coisa que deve sempre ser feita em outro lugar.
Sou ridículo?
Quesões imobiliárias
Há um tempo havia ali uma estante estilo futurista, para a época. Coisas que os anos setenta sonhavam para o novo milênio. E muitos enfeites de plástico, cores vivas, espíritos alegres. Há hoje uma cadeira de perna solta, mal pregada. Poeira acumulada nos cantos, dessas que se pode juntar aos ponhados com a mão mesmo. Um pó branco se acumulando nas quinas: pintura da parede que vai descascando. A parede não quer mais esperar por novas alegrias e se está indo embora.
No quintal havia um pé de limão, chão de terra e cheiro de vida. Crianças brincando com seus brinquedos simples, madeiras, bolinhas e carrinhos. Alheias ao preço das coisas e mergulhadas no valor daquele momento. Hoje só há ali o azedo ácido do vazio. Tudo é cimento. Onde antes era o jardim, terra viva, cimento. Onde antes estava o pé de limão, cimento. Onde antes corriam as crianças coloridas de sorrisos e gargalhadas, cimento. A construção retirou o aspecto rústico daquele cantinho de cidade que mais parecia um lar de caipiras. Está tudo mais urbano: mais quadrado, mais cinza, mais morto.
Pelas bandas de cá um metro quadrado agora vale milhares de reais. Talvez vendam a casa. Talvez usem o dinheiro para comprar outro lugar. Um lugar mais alegre. Que imóvel vem com crianças e alegrias?
As torneiras pingam. O teto desaba pedacinhos minúsculos por dia. A pintura descolori e se esvai em poeiras, poeiras que se misturam aos lixos não varridos de outros cantos, trazidos pelos ventos, que se acumulam em todas as frestas. Elas ainda vivem ali. O irmão mais velho casou. Os filhos casaram. O marido de uma foi embora e a outra nunca casou mesmo.
Olhando bem, a casa continuava fielmente fazendo sua parte. Continuava fielmente ecoando a alma de seus habitantes. Uma pena que agora tudo o que havia por ecoar era este frio vazio e empoeirado de vidas que não se riem juntas...
No quintal havia um pé de limão, chão de terra e cheiro de vida. Crianças brincando com seus brinquedos simples, madeiras, bolinhas e carrinhos. Alheias ao preço das coisas e mergulhadas no valor daquele momento. Hoje só há ali o azedo ácido do vazio. Tudo é cimento. Onde antes era o jardim, terra viva, cimento. Onde antes estava o pé de limão, cimento. Onde antes corriam as crianças coloridas de sorrisos e gargalhadas, cimento. A construção retirou o aspecto rústico daquele cantinho de cidade que mais parecia um lar de caipiras. Está tudo mais urbano: mais quadrado, mais cinza, mais morto.
Pelas bandas de cá um metro quadrado agora vale milhares de reais. Talvez vendam a casa. Talvez usem o dinheiro para comprar outro lugar. Um lugar mais alegre. Que imóvel vem com crianças e alegrias?
As torneiras pingam. O teto desaba pedacinhos minúsculos por dia. A pintura descolori e se esvai em poeiras, poeiras que se misturam aos lixos não varridos de outros cantos, trazidos pelos ventos, que se acumulam em todas as frestas. Elas ainda vivem ali. O irmão mais velho casou. Os filhos casaram. O marido de uma foi embora e a outra nunca casou mesmo.
Olhando bem, a casa continuava fielmente fazendo sua parte. Continuava fielmente ecoando a alma de seus habitantes. Uma pena que agora tudo o que havia por ecoar era este frio vazio e empoeirado de vidas que não se riem juntas...
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segunda-feira, 26 de agosto de 2013
Tio Thobias
Meu tio Thobias é meio careca. Não sei se por algum particular da genética ou porque os cabelos lhe vão fugindo, angustiados, em busca de algo melhor. Quando jovem adorava histórias de ficção. Isaac Asimov, Perry Rhodan, esses mundos imaginários. Logo cedo na vida os namoricos às escondidas trouxeram o primeiro filho e o casamento. E a responsabilidade de trabalhar. E os tempos livros eram emoldurados de condenações:
- Larga esses livros, Thobias!
Convenceu-se. Largou os livros. Cuidava de instalar prateleiras novas, retirar o bolor do teto do banheiro, arrumar a goteira na torneira da pia. Já o fazia antes, mas agora não tinha suspeitas de jogar tempo fora. Suas distrações descobriram os bares e as cervejas. Passando o tempo de um jeito tradicional não iria despertar suspeitas. Em momentos de discussão, ainda era incentivado:
- Afe... por que não vai lá pro bar com seus amigos?
E ia...
- É gente, estou me sentindo igual naquela história em que um astronauta vai sozinho a um planeta que ninguém conhecia, sabe?
- Ai ai Thobias, você nem tá bêbado ainda e já vem com essas suas histórias? Manda mais uma aí e vem jogar mais um truco com a gente!
E assim suas paixões se diluiram na normalidade. Trabalhou na prefeitura. Trabalhou como eletricista. Trabalhou como carregador. Há alguns anos trabalha de motorista de um carro funerário. Talvez seja sua desesperada tentativa de esconder, por contraste, que quem está morto é ele.
- Larga esses livros, Thobias!
Convenceu-se. Largou os livros. Cuidava de instalar prateleiras novas, retirar o bolor do teto do banheiro, arrumar a goteira na torneira da pia. Já o fazia antes, mas agora não tinha suspeitas de jogar tempo fora. Suas distrações descobriram os bares e as cervejas. Passando o tempo de um jeito tradicional não iria despertar suspeitas. Em momentos de discussão, ainda era incentivado:
- Afe... por que não vai lá pro bar com seus amigos?
E ia...
- É gente, estou me sentindo igual naquela história em que um astronauta vai sozinho a um planeta que ninguém conhecia, sabe?
- Ai ai Thobias, você nem tá bêbado ainda e já vem com essas suas histórias? Manda mais uma aí e vem jogar mais um truco com a gente!
E assim suas paixões se diluiram na normalidade. Trabalhou na prefeitura. Trabalhou como eletricista. Trabalhou como carregador. Há alguns anos trabalha de motorista de um carro funerário. Talvez seja sua desesperada tentativa de esconder, por contraste, que quem está morto é ele.
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domingo, 25 de agosto de 2013
Sour Times
Eu adoro ouvir Portishead... Especialmente de madrugada. Especialmente em madrugadas chuvosas, como essa... E deixo rolar, deixo tocando. Ainda bem que estou sozinho em casa, faz um bem danado a essa música. Ainda tem os copos de vinho espalhados pela sala, mas já foram todos embora. E estou no limiar de uma ressaca. Tudo, tudo para tornar a música perfeita.
Me jogo sobre o sofá mas entendo que não combina... Vai rolando Strangers, It could be sweet, e eu entendo que o sofá ofende a música... E me levanto e vou para o chão, fico sentado num canto, olhando a penumbra da luz da rua invadindo a sala e um ou outro flash de relâmpago brilhando em tudo. Perfeito, perfeito!
Me jogo sobre o sofá mas entendo que não combina... Vai rolando Strangers, It could be sweet, e eu entendo que o sofá ofende a música... E me levanto e vou para o chão, fico sentado num canto, olhando a penumbra da luz da rua invadindo a sala e um ou outro flash de relâmpago brilhando em tudo. Perfeito, perfeito!
sábado, 24 de agosto de 2013
Duna
Se eu fizer da minha falta de tema meu tema oficial, em primeiro lugar passarei a ter uma linha de trabalho definida. Porém, inescapavelmente, cairei também em contradição. Eu até posso ser um escritor fajuto sem assunto, mas quando começo a me dar conta disso, corro o risco de arquitetar minha auto-destruição. O que fazer? Desistir de escrever só para curto-circuitar o cérebro no nada? Escolher um assunto, afinal? Se toda mente inquieta do mundo se desse ao trabalho de verbalizar suas inquietudes sem conteúdo, quem se prestaria a ler tudo isso? Já tem muita gente pensando sobre tudo, outras vivendo coisas diferentes, em lugares diferentes e de jeitos diferentes. Bandidos, gênios, heróis, safados. Tem de tudo lá fora. Não posso só sentar aqui e aniquilar-me num simples Nada que observa? Posso... não posso?
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
Todos os dias
Não gosto da invasão de minhas vontades, gosto da paz do meu silêncio ou de incensura nos meus barulhos... Quando sou? Sou nos silêncios impostos dos convívios? Ou finalmente sou apenas na insignificância obscura do completo isolamento com toda a liberdade que lhe é peculiar? Quando não sabem de mim, sinto ser o que me imagino. Quando observam todos de perto, sinto ser apenas em segredo, sem que me saibam. Sem que seja de verdade. Misturado aos outros, facilmente se é mais reflexo que luz. Ou talvez seja só impressão. Talvez todos brilhem e eu apenas não goste da idéia de ser também só mais um. E o que seria mais humano?
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Curto-circuito
Eu não acredito nesse papinho barato de exotéricos exóticos místicistas que saem por aí falando de "energia". Energia positiva dali, negativa de lá... Eles não sabem calcular a energia cinética de uma pedra movendo-se a um metro por segundo e muitas vezes, nem mesmo, avaliar corretamente uma conta de luz. Pergunte a eles o que é um "quilowatt-hora"... Então, sem nem precisar discutir a viabilidade filosófica de algum conceito de realidade exótica, posso dispensá-los pura e simplesmente por estarem fazendo um péssimo uso do vocabulário disponível.
Mas embora a fenomenologia que professam esteja errada, devo admitir que ao menos alguns dos fenômeos que buscam explicar de fato ocorrem. Dizem esses místicos que há pessoas por aí que sugam nossa energia. Não, não há pessoas que sugam nossa energia. Mas há, de fato, pessoas que colaboram para que nosso ânimo se esvaia. Há todas as combinações possíveis... Duas pessoas podem fazer um bem danado uma a outra. Qualquer uma delas pode se sentir ótima com o relacionamento que têm ao passo que à outra este é extremamente danoso. E pode ocorrer também que a ambas nada de bom se manifeste.
Duas possibilidades são muito boas: pessoas que se fazem muito bem e pessoas que, mutuamente, se fazem muito mal. Sim, este último caso também é bom, pois em pouco tempo ambos reconhecerão que não há que se misturarem e pronto, problema resolvido, mutuo acordo, sem traumas. Mas duas combinações são potencialmente catastróficas... Sim, pois quando uma pessoa faz um mal danado a outra, mas essa outra faz um bem danado à primeira, tem-se uma forte assimetria que induz uma espécie de instabilidade dinâmica: se a coisa toda já era ruim inicialmente, tende com o tempo só a agravar-se.
Não preciso apelar a energia negativa, vibrações do astral ou sei lá mais o quê. Esse fenômeno do transfluxo de ânimos deve de alguma forma assentar-se sobre explicações físico-psicológicas que não impliquem em abalo nenhum à ciência moderna. Mas fica a conclusão de que devemos reconhecer o que uma pessoa recém-conhecida é pra gente para que possamos administrar tudo da melhor forma possível.
Mas embora a fenomenologia que professam esteja errada, devo admitir que ao menos alguns dos fenômeos que buscam explicar de fato ocorrem. Dizem esses místicos que há pessoas por aí que sugam nossa energia. Não, não há pessoas que sugam nossa energia. Mas há, de fato, pessoas que colaboram para que nosso ânimo se esvaia. Há todas as combinações possíveis... Duas pessoas podem fazer um bem danado uma a outra. Qualquer uma delas pode se sentir ótima com o relacionamento que têm ao passo que à outra este é extremamente danoso. E pode ocorrer também que a ambas nada de bom se manifeste.
Duas possibilidades são muito boas: pessoas que se fazem muito bem e pessoas que, mutuamente, se fazem muito mal. Sim, este último caso também é bom, pois em pouco tempo ambos reconhecerão que não há que se misturarem e pronto, problema resolvido, mutuo acordo, sem traumas. Mas duas combinações são potencialmente catastróficas... Sim, pois quando uma pessoa faz um mal danado a outra, mas essa outra faz um bem danado à primeira, tem-se uma forte assimetria que induz uma espécie de instabilidade dinâmica: se a coisa toda já era ruim inicialmente, tende com o tempo só a agravar-se.
Não preciso apelar a energia negativa, vibrações do astral ou sei lá mais o quê. Esse fenômeno do transfluxo de ânimos deve de alguma forma assentar-se sobre explicações físico-psicológicas que não impliquem em abalo nenhum à ciência moderna. Mas fica a conclusão de que devemos reconhecer o que uma pessoa recém-conhecida é pra gente para que possamos administrar tudo da melhor forma possível.
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quarta-feira, 21 de agosto de 2013
E daí
Só se sabe experimentando.
A mente engana. Conhecer de ouvir falar é conhecer histórias mas é diferente de conhecer as coisas historiadas.
Conhecer não tem palavras. Tem tato, calor, cor e sabor.
Toda opinião possível mora entre amar e odiar.
Eu admito a maior parte do tempo ser alheio às coisas, ou as coisas serem alheias a mim. As coisas e os assuntos. Que mania besta das pessoas essa de inventar uma opinião sobre tudo. Nisso eu opino: acho besta. Deixo o resto do mundo correr em paz e dou atenção às quatro ou cinco coisas que importam na minha vida. O resto não inoportuno e espero que me deixe em recíproca paz.
Posso até discutir a fome das criancinhas da África, mas depois da sobremesa, por favor. E por que é errado?
É errado e frio deleitar-se num farto churrasco e guloseimosas sobremesas enquanto se pensa na fome mundial, mas não o é nos dias comuns enquanto se pensa em outra coisa? A indiferença é uma falha moral sem crise de consciência, e como paz de consciência é algo muito difícil de se conseguir por outros meios, a indiferença se infiltra em todos os poros sociais como uma anestesia se infiltra nas veias do nervo canceroso.
E é assim que vi o mundo quando saí pra andar de bicicleta à noite. E não achei errado e nem certo. Não voltei pra casa nem mais triste nem menos feliz. Voltei só mais cansado de pedalar, tomei um gole fresco d'água. Só tinha visto que o mundo é assim. Só, tinha visto que o mundo é assim.
A mente engana. Conhecer de ouvir falar é conhecer histórias mas é diferente de conhecer as coisas historiadas.
Conhecer não tem palavras. Tem tato, calor, cor e sabor.
Toda opinião possível mora entre amar e odiar.
Eu admito a maior parte do tempo ser alheio às coisas, ou as coisas serem alheias a mim. As coisas e os assuntos. Que mania besta das pessoas essa de inventar uma opinião sobre tudo. Nisso eu opino: acho besta. Deixo o resto do mundo correr em paz e dou atenção às quatro ou cinco coisas que importam na minha vida. O resto não inoportuno e espero que me deixe em recíproca paz.
Posso até discutir a fome das criancinhas da África, mas depois da sobremesa, por favor. E por que é errado?
É errado e frio deleitar-se num farto churrasco e guloseimosas sobremesas enquanto se pensa na fome mundial, mas não o é nos dias comuns enquanto se pensa em outra coisa? A indiferença é uma falha moral sem crise de consciência, e como paz de consciência é algo muito difícil de se conseguir por outros meios, a indiferença se infiltra em todos os poros sociais como uma anestesia se infiltra nas veias do nervo canceroso.
E é assim que vi o mundo quando saí pra andar de bicicleta à noite. E não achei errado e nem certo. Não voltei pra casa nem mais triste nem menos feliz. Voltei só mais cansado de pedalar, tomei um gole fresco d'água. Só tinha visto que o mundo é assim. Só, tinha visto que o mundo é assim.
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terça-feira, 20 de agosto de 2013
Camisa de força, camisa de carinhos
As camisas de força assustam os loucos.
Mas as forças não assustam você também?
E se fossem camisas de carinhos, abraços e sussurros?
Quem seria louco de fugir?
Mas as forças não assustam você também?
E se fossem camisas de carinhos, abraços e sussurros?
Quem seria louco de fugir?
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segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Mudo - 2
Sou assim, mudo.
Mas se você deixar,
Ainda mudo!
Mas se você deixar,
Ainda mudo!
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domingo, 18 de agosto de 2013
Mudo
A gente às vezes é plano e às vezes tem tantos lados. Arestas. Cantos. Fundos e rasos. E eu me perco. Não faço a menor idéia de onde estou. De qual dentro de mim que sou. Hoje foi assim. Hoje você falava, falava, falava. E eu quieto. E eu me procurando. Covardia. Covardia? Foi o que foi. Foi como aconteceu. Guardei coisas que não sei onde estão. Não sei onde foram parar. Procurei, procurei procurei procurei. Só que não achei.
sábado, 17 de agosto de 2013
Frio
Se um dia eu comprar uma puta, vai ser no inverno. No frio as putas, mais vestidas, são muito mais mulheres.
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Institucional
sexta-feira, 16 de agosto de 2013
Modéstia egocêntrica
Me orbito
Me gravito
Se distrair
Me óbito
Nem vi
Me sinto
Me sirvo
Se distrair
Me sento
E olho
E nem vi
Me gravito
Se distrair
Me óbito
Nem vi
Me sinto
Me sirvo
Se distrair
Me sento
E olho
E nem vi
quinta-feira, 15 de agosto de 2013
M
Você, com seus costumeiros sorrisos esbanjados e olhares admirados e admiráveis, contando feliz...
Contando que ele é um cara tão inteligente, viajado, conhece o mundo inteiro...
E eu, introspectivo, pensando: "é, eu só te amo..."
Você contando que ele é engraçado, um humor refinadíssimo, foi super divertido jantar com ele outro dia...
E eu, olhando pro alto meio de canto, pensando "é, eu só te amo".
Você contando que ele pagou a conta, que só sua parte passou fácil dos oitenta reais, mas nem sabe precisar quanto, ele não deixou que você visse...
E eu meditando sobre a leveza etérea da minha algibeira: "é, eu só te amo".
Você contando como era repulsiva às primeiras investidas dele. Ele namorava, que coisa horrível! Mas declarava todo amor a você, terminou o namoro. Insistiu, te contrariou, brigou. E você começou a considerar ceder, toda encantada.
Eu, mergulhado na estranheza desumana de tanto respeito que lhe tenho, considero: "é, eu só te amo".
Eu te amo, é só. Vá, viva e seja feliz. Vá!
Contando que ele é um cara tão inteligente, viajado, conhece o mundo inteiro...
E eu, introspectivo, pensando: "é, eu só te amo..."
Você contando que ele é engraçado, um humor refinadíssimo, foi super divertido jantar com ele outro dia...
E eu, olhando pro alto meio de canto, pensando "é, eu só te amo".
Você contando que ele pagou a conta, que só sua parte passou fácil dos oitenta reais, mas nem sabe precisar quanto, ele não deixou que você visse...
E eu meditando sobre a leveza etérea da minha algibeira: "é, eu só te amo".
Você contando como era repulsiva às primeiras investidas dele. Ele namorava, que coisa horrível! Mas declarava todo amor a você, terminou o namoro. Insistiu, te contrariou, brigou. E você começou a considerar ceder, toda encantada.
Eu, mergulhado na estranheza desumana de tanto respeito que lhe tenho, considero: "é, eu só te amo".
Eu te amo, é só. Vá, viva e seja feliz. Vá!
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
Virtual
Ele endoidou. Pirou. Não queria mais a própria vida. Foi na internet e fez outra. Hoje em dia essas coisas são quase de graça. Surpresa: o outro eu era mais querido que ele próprio, vejam só! Eis que se revelam por meio de ironias saborosas essas verdades fundamentais: nossas espontaneidades cativam muito mais que nossas vergonhas. Assustado, deletou-se de si.
terça-feira, 13 de agosto de 2013
Conexões
Tem quem esteja discutindo esse último assassinato horrendo, que não sai da TV. Tem quem esteja preocupado com os prazos do trabalho porque a semana corre e logo é sexta-feira e logo o chefe vai conferir se está tudo em dia. Tem quem esteja neste exato momento indo para o hospital, mergulhado em aflições, pelo parente que está com a vida em risco.
E o que importa tudo isso? Eu faço sempre esta pergunta: o que importa? Não deveria me importar, deveria? Minha própria vida. Deveria me importar apenas com minha própria vida.
Os lugares para onde vou. As pessoas com quem falo. As histórias que eu escuto. O que seria de tudo isso se não fosse o resto do mundo? O que seria da minha vida se não fossem todas as outras coisas com que nem me importo? Essas coisas das quais nem sei... coisas fundamentais.
E o que importa tudo isso? Eu faço sempre esta pergunta: o que importa? Não deveria me importar, deveria? Minha própria vida. Deveria me importar apenas com minha própria vida.
Os lugares para onde vou. As pessoas com quem falo. As histórias que eu escuto. O que seria de tudo isso se não fosse o resto do mundo? O que seria da minha vida se não fossem todas as outras coisas com que nem me importo? Essas coisas das quais nem sei... coisas fundamentais.
segunda-feira, 12 de agosto de 2013
Referências
Você é um pai pra mim. Você confiou em mim quando eu era criança e ninguém mais acreditava em nada de nada de mim. Você me dava responsabilidades. Deixava a chave de casa comigo. Deixava eu preparar o barco para as viagens. Falava para os outros de mim com orgulho: o agregado da família, inteligente, adulto.
Era algo tão intenso que aqueles que queriam tirar sarro da situação me chamavam com voz irônica de "o menino prodígio", uma tentativa de exagerar um tratamento que era bom.
Hoje não nos vemos mais. Meses sem nos falarmos.
Toda vez que eu visito, a família me recebe muito bem.
Mas algo está quebrado. Talvez algo sempre tenha estado assim: quebrado.
Eu segui a carreira em que você acreditava. Me tornei médico, como você. Nada de dedicar a vida aos barcos. Ou ao cinema. Ou à filosofia. A mesma carreira.
Ontem foi dia dos pais. Liguei para meu pai. Não você, meu pai mesmo. Sei tão pouco da vida dele. Não liguei para você. Você não é meu pai. Você é só a pessoa que me criou e que me incentivou a acreditar em mim. Mas não teve tempo de entender meus sonhos. Talvez faltou me conhecer um pouco antes. Um pouco mais. Não sei se sou uma espécie de decepção ou de fracasso por querer largar a carreira.
Desculpe eu não entender das formas apropriadas para dizer "obrigado". Tenho muito a agradecer, eu sei. Obrigado.
Mas tem caminhos na minha vida que eu não posso aprender com você. Nem com meu pai oficial. Nem com amigos. Nem com ninguém mais.
Era algo tão intenso que aqueles que queriam tirar sarro da situação me chamavam com voz irônica de "o menino prodígio", uma tentativa de exagerar um tratamento que era bom.
Hoje não nos vemos mais. Meses sem nos falarmos.
Toda vez que eu visito, a família me recebe muito bem.
Mas algo está quebrado. Talvez algo sempre tenha estado assim: quebrado.
Eu segui a carreira em que você acreditava. Me tornei médico, como você. Nada de dedicar a vida aos barcos. Ou ao cinema. Ou à filosofia. A mesma carreira.
Ontem foi dia dos pais. Liguei para meu pai. Não você, meu pai mesmo. Sei tão pouco da vida dele. Não liguei para você. Você não é meu pai. Você é só a pessoa que me criou e que me incentivou a acreditar em mim. Mas não teve tempo de entender meus sonhos. Talvez faltou me conhecer um pouco antes. Um pouco mais. Não sei se sou uma espécie de decepção ou de fracasso por querer largar a carreira.
Desculpe eu não entender das formas apropriadas para dizer "obrigado". Tenho muito a agradecer, eu sei. Obrigado.
Mas tem caminhos na minha vida que eu não posso aprender com você. Nem com meu pai oficial. Nem com amigos. Nem com ninguém mais.
domingo, 11 de agosto de 2013
Inertiae
- Você sabe que a gente pensa muito diferente sobre muitas coisas, não é? Eu só fico curioso de saber porque você gosta de conversar comigo. Eu gosto de conversar com você porque sou exposto constantemente a perguntas e pontos de vista que normalmente eu não desenvolveria sozinho, e convicções que eu dava como certas são facilmente colocadas em xeque. Mas e você... por que gosta de conversar comigo?
- Eu? Não preciso estar interessada num assunto em particular ou numa coisa ou outra que você fala. Eu converso com você... porque você é você!
- Eu? Não preciso estar interessada num assunto em particular ou numa coisa ou outra que você fala. Eu converso com você... porque você é você!
sábado, 10 de agosto de 2013
Dionísio
Dionísio. Deus das festas, do vinho, das alegrias. Personificação da irresponsabilidade, da embriaguês.
Dionísio. Colega de trabalho de um escritório em que trabalhei. Magrinho, fala concentrada, de voz baixa. Dedicado, pontual, inteligente.
Que semelhanças e diferenças há entre um Dionísio e outro? O vinho, as festas e tudo o mais... isso remete a irresponsabilidades e excessos. Um espírito inconseqüente. À primeira vista o Dionísio com quem trabalhei era o oposto disso tudo. Responsável pela parte mais complicada dos softwares da empresa, viviam pedindo atualizações e alterações a ele.
- Dionísio, pode inserir este campo no relatório do banco de dados?
- Dionísio, pode descobrir quantos clientes atendem estes critérios?
- Dionísio, pode bloquear a liberação de procedimento quando estas informações cruzadas acontecerem?
Ele ouvia as solicitações. Fazia as perguntas técnicas pertinentes. E desaparecia. Imaginávamos Dionísio como o nerd realizado. Ele e o computador em uma história de amor em plena lua de mel. Ele e os manuais de linguagens de programação, aqueles livros gigantes que ninguém lê. Ninguém, só o Dionísio.
Aí o Dionísio sumiu. Na verdade, levamos alguns dias para perceber que ele tinha sumido. Porque ninguém conversava com ele. Ninguém almoçava com ele. Ninguém dava bom dia e ninguém dava tchau, até amanhã, para o Dionísio. Só falavam com ele quando havia alguma solicitação. Assim, só deram pela falta dele quando surgiu uma nova solicitação e ninguém encontrava o Dionísio em canto nenhum. Telefonaram para a casa dele (depois do enorme parto que foi descobrir qual era o telefone da casa do Dionísio).
- É a esposa dele... o Dionísio faleceu semana passada.. teve um ataque do coração fulminante...
Uma vida engrenada como uma peça de relógio. Dedicada e concentrada como um chip de computador. Uma vida de abstinência de contato social, de distrações, de risadas, de conversas no cantinho do café. Uma vida dedicada a estudo e trabalho.
Dionísio: excesso, inconseqüência, vício e irresponsabilidade. No final das contas, os Dionísios da mitologia e o real não eram assim tão diferentes. Apenas sucede que os vícios do Dionísio com quem trabalhei eram bem mais chatos.
Dionísio. Colega de trabalho de um escritório em que trabalhei. Magrinho, fala concentrada, de voz baixa. Dedicado, pontual, inteligente.
Que semelhanças e diferenças há entre um Dionísio e outro? O vinho, as festas e tudo o mais... isso remete a irresponsabilidades e excessos. Um espírito inconseqüente. À primeira vista o Dionísio com quem trabalhei era o oposto disso tudo. Responsável pela parte mais complicada dos softwares da empresa, viviam pedindo atualizações e alterações a ele.
- Dionísio, pode inserir este campo no relatório do banco de dados?
- Dionísio, pode descobrir quantos clientes atendem estes critérios?
- Dionísio, pode bloquear a liberação de procedimento quando estas informações cruzadas acontecerem?
Ele ouvia as solicitações. Fazia as perguntas técnicas pertinentes. E desaparecia. Imaginávamos Dionísio como o nerd realizado. Ele e o computador em uma história de amor em plena lua de mel. Ele e os manuais de linguagens de programação, aqueles livros gigantes que ninguém lê. Ninguém, só o Dionísio.
Aí o Dionísio sumiu. Na verdade, levamos alguns dias para perceber que ele tinha sumido. Porque ninguém conversava com ele. Ninguém almoçava com ele. Ninguém dava bom dia e ninguém dava tchau, até amanhã, para o Dionísio. Só falavam com ele quando havia alguma solicitação. Assim, só deram pela falta dele quando surgiu uma nova solicitação e ninguém encontrava o Dionísio em canto nenhum. Telefonaram para a casa dele (depois do enorme parto que foi descobrir qual era o telefone da casa do Dionísio).
- É a esposa dele... o Dionísio faleceu semana passada.. teve um ataque do coração fulminante...
Uma vida engrenada como uma peça de relógio. Dedicada e concentrada como um chip de computador. Uma vida de abstinência de contato social, de distrações, de risadas, de conversas no cantinho do café. Uma vida dedicada a estudo e trabalho.
Dionísio: excesso, inconseqüência, vício e irresponsabilidade. No final das contas, os Dionísios da mitologia e o real não eram assim tão diferentes. Apenas sucede que os vícios do Dionísio com quem trabalhei eram bem mais chatos.
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No dos outros...
sexta-feira, 9 de agosto de 2013
Seu Miro
Passo após passo, desço a rua para o trabalho. Já me sinto gordo, lanche cheio de queijo derretido e café com leite explodindo de açúcar num copo gigante: freqüento padarias do bairro.
Passo pelo portão da empresa, crachá magnético na catraca. O sistema eletrônico me dá as boas vindas.
As ruas internas são de paralelepípedo. Dessas que, se deixar, nascem grama no meio. Dessas que lembram passear por cidades litorâneas quando se era criança e os asfaltos ainda não tinham descido a serra do mar.
Lá está ele. Um senhor magro, fininho. Macacão azul, mãos enrugadas. Vassoura limpando o chão, recolhendo as folhas que teimam em cair sempre das árvores. Vez ou outra, alguma pequena foice a lapidar as gramas que crescem aqui e ali. Seu Miro. Vou me aproximando e o cumprimento.
- Bom dia Seu Miro, tudo bem?
- Opa! Só alegria? Tudo na paz! Tudo na paz...
Sorri um sorriso largo. Mal cabe em seu pequeno rosto. Olhar sorridente de quem sente tudo perfeito.
Sigo em frente com a sensação de que Seu Miro não nasceu nunca e nunca vai morrer. E aí paro pra pensar e nem mesmo a eternidade toda me justifica tamanha serenidade e paz de espírito. Só alegria!
Passo pelo portão da empresa, crachá magnético na catraca. O sistema eletrônico me dá as boas vindas.
As ruas internas são de paralelepípedo. Dessas que, se deixar, nascem grama no meio. Dessas que lembram passear por cidades litorâneas quando se era criança e os asfaltos ainda não tinham descido a serra do mar.
Lá está ele. Um senhor magro, fininho. Macacão azul, mãos enrugadas. Vassoura limpando o chão, recolhendo as folhas que teimam em cair sempre das árvores. Vez ou outra, alguma pequena foice a lapidar as gramas que crescem aqui e ali. Seu Miro. Vou me aproximando e o cumprimento.
- Bom dia Seu Miro, tudo bem?
- Opa! Só alegria? Tudo na paz! Tudo na paz...
Sorri um sorriso largo. Mal cabe em seu pequeno rosto. Olhar sorridente de quem sente tudo perfeito.
Sigo em frente com a sensação de que Seu Miro não nasceu nunca e nunca vai morrer. E aí paro pra pensar e nem mesmo a eternidade toda me justifica tamanha serenidade e paz de espírito. Só alegria!
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Pessoas impossíveis?
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
Topografia
- Às vezes parece que existe uma muralha dentro do seu coração. Dá pra ir até ali. Mas dali em diante não dá pra passar de jeito nenhum.
É verdade. Agora eu também acho que é verdade.
E nem sei dizer de qual lado da muralha eu estou.
É verdade. Agora eu também acho que é verdade.
E nem sei dizer de qual lado da muralha eu estou.
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
terça-feira, 6 de agosto de 2013
Errata filosófica
Aí os filósofos e os autores de livrinhos para criancinhas inventam todos que a questão fundamental é:
- De onde viemos?
Desde quando essa é a questão fundamental? O que ela tem a ver com o preço do dólar? Ou com minha vida em família? Ou com minha escolha de emprego? Ou com a programação da televisão? E se soubéssemos a resposta.... "Viemos... viemos dali, ó!". Isso mudaria algo? Uma questão fundamental deve levar a uma resposta fundamental, e fundamental é aquilo cuja ausência ou presença são sempre relevantes. Água é fundamental para a vida. Sem água, a vida acaba.
Eu, que não tenho moral nenhuma, nem entre filósofos nem muito menos entre autores de livrinhos para criancinhas, ainda assim tomo um espaço de intromissão aqui para esta correção importante. A questão fundamental, para todos nós, e diante de todas as questões sobre as quais valha a pena se deparar, é:
- E daí?
Posso escolher ser médico ou advogado. E daí?
Cientistas podem estudar a cura do câncer ou a produtividade da colheita. E daí?
A televisão pode mostrar bundas grandes ou te apresentar grandes idéias. E daí?
Amores podem dar certo ou não. E daí?
Ou viemos do Big Bang ou somos a ilusão de um alienígena sedado porque bateu o disco voador e está tendo devaneios. E dai?
Podemos ser felizes ou tristes.
E daí?
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Considerações jogadas
Dos mistérios
Quando é que nasce uma bela pintura?
É no instante da última pincelada?
Ou no instante em que recebe o primeiro olhar do público?
É no instante da última pincelada?
Ou no instante em que recebe o primeiro olhar do público?
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Não me diga
Então ele inventou que era depressão, porque era o nome mais cômodo para dar para aquela vagabundagem toda.
E então ele disse que eram dúvidas aqueles medos todos emoldurados em preguiça. Medo de trabalhar. Preguiça de sair de casa. Medo de ser outra pessoa, de ser adulto. Medo de deixar o tempo passar ainda que visse que passava mesmo assim. "Fiz minha parte para que não passasse. E se ainda assim passa, não é culpa minha." Não era só um irresponsável. Era um alguém que não queria se responsabilizar. Por nada, nadinha. Medo de amar, medo de ter. Medo de ganhar. Medo de aprender.
Os livros são melhores nas estantes do que em suas mãos, em suas leituras. Os folheia e aí joga lá de volta. Em seus lugares. Arrumados, organizados, novos e não lidos.
Ele inventou que era assim mesmo bem agora que podia ser do jeito que quisesse eventualmente de todos os jeitos.
Era viciado em sonhar.
Sonhar era a melhor coisa que já experimentara, dentre tantas outras.
E quem poderia culpá-lo? E a que tribunal se leva um caso assim?
Sonhar era sempre um delicioso amanhã talvez. Sonhar com algo que quem sabe fosse amanhã era uma fé quase concreta. Esticava-se o dedo e quase podia tocá-la, ali logo depois de uns poucos tiques do relógio no outro quadrinho do calendário.
Um sonhador. Que feridas enormes na sua vida todas as coisas que são. Que invadem o tempo presente.
Traumas? Um fraco? Incapaz de desassociar os fracassos de determinadas experiências das possibilidades de fracasso de outras?
Traumatizado seria se fosse apenas a incapacidade de se aproximar de histórias potencialmente felizes por conta da cegueira que os medos antigos lhe produzem. Mas não é isso. Efetivamente, histórias felizes lhe abraçam. Quentes, completas, envolventes, profundas e inusitadas. Felicidades acima das felicidades dos cidadãos comuns. Mas durava pouco lá dentro. Lá dentro morria logo esse desfrutar. Um arqueólogo que nunca chegava a abrir o sarcófago porque se desesperava em procurar outra tumba. Um piloto que nunca cruzava os muros de um aeroporto porque embarcava direto em outro avião, desesperado por pilotar mais. Um pescador cujo barco afundou de tantos peixes acumulados no convés - mas era irresistível continuar ali pescando mais e mais. Um desesperado. Um desesperado incorrigível. Sem controle de si. Sem controle de nada.
E foi inventar que era depressão...
E então ele disse que eram dúvidas aqueles medos todos emoldurados em preguiça. Medo de trabalhar. Preguiça de sair de casa. Medo de ser outra pessoa, de ser adulto. Medo de deixar o tempo passar ainda que visse que passava mesmo assim. "Fiz minha parte para que não passasse. E se ainda assim passa, não é culpa minha." Não era só um irresponsável. Era um alguém que não queria se responsabilizar. Por nada, nadinha. Medo de amar, medo de ter. Medo de ganhar. Medo de aprender.
Os livros são melhores nas estantes do que em suas mãos, em suas leituras. Os folheia e aí joga lá de volta. Em seus lugares. Arrumados, organizados, novos e não lidos.
Ele inventou que era assim mesmo bem agora que podia ser do jeito que quisesse eventualmente de todos os jeitos.
Era viciado em sonhar.
Sonhar era a melhor coisa que já experimentara, dentre tantas outras.
E quem poderia culpá-lo? E a que tribunal se leva um caso assim?
Sonhar era sempre um delicioso amanhã talvez. Sonhar com algo que quem sabe fosse amanhã era uma fé quase concreta. Esticava-se o dedo e quase podia tocá-la, ali logo depois de uns poucos tiques do relógio no outro quadrinho do calendário.
Um sonhador. Que feridas enormes na sua vida todas as coisas que são. Que invadem o tempo presente.
Traumas? Um fraco? Incapaz de desassociar os fracassos de determinadas experiências das possibilidades de fracasso de outras?
Traumatizado seria se fosse apenas a incapacidade de se aproximar de histórias potencialmente felizes por conta da cegueira que os medos antigos lhe produzem. Mas não é isso. Efetivamente, histórias felizes lhe abraçam. Quentes, completas, envolventes, profundas e inusitadas. Felicidades acima das felicidades dos cidadãos comuns. Mas durava pouco lá dentro. Lá dentro morria logo esse desfrutar. Um arqueólogo que nunca chegava a abrir o sarcófago porque se desesperava em procurar outra tumba. Um piloto que nunca cruzava os muros de um aeroporto porque embarcava direto em outro avião, desesperado por pilotar mais. Um pescador cujo barco afundou de tantos peixes acumulados no convés - mas era irresistível continuar ali pescando mais e mais. Um desesperado. Um desesperado incorrigível. Sem controle de si. Sem controle de nada.
E foi inventar que era depressão...
domingo, 4 de agosto de 2013
Aconchego
Tinha uma poesia passando frio na rua, à noite. Eu a vi e a cena comoveu meu coração. Linda, linda. A trouxe para casa. Fiz chocolate quente, dei-lhe um banho. Nos deitamos juntos, e a noite se transformou em versos com rima e tudo.
sábado, 3 de agosto de 2013
Angra
Ficamos os dois ali, à beira da vida, deixando tudo passar. Abraçados, quentes. Te sorri três futuros e você me olhou: um presente.
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
Ano novo
Imagine um colombiano, podemos chamá-lo de Pablo. Imagine uma brasileira que vai passar o ano novo na Colômbia. Chame-a Melina. Um dia juntos. Olhares mãos beijos cama suores saudades. Ela agora aqui, ele ainda lá. Um namoro de seis anos, mas não entre eles. Entre o colombiano e outra nativa lá do mundo da Shakira. E agora? E agora que prometem se fugirem junto deste mundo, destas vidas que levam, para uma nova vida, só deles. Colômbia, não podia dar outra: estão entorpecidos.
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
Indícios
Eu adoro os oprimidos.
Os que sofrem.
São um recurso infinito para aqueles que precisam de uma promoção fácil.
O político que aperta a mão do favelado.
E depois manda tratores para derrubarem a favela.
O que importa é o quanto circulará cada foto.
O que importa é que o político não estará presente no dia da demolição.
O padre que reza pelos oprimidos.
E a paz quieta e serena do ouro do Vaticano.
Eu adoro os oprimidos.
Sem eles, nossa hipocrisia não seria tão óbvia.
Os que sofrem.
São um recurso infinito para aqueles que precisam de uma promoção fácil.
O político que aperta a mão do favelado.
E depois manda tratores para derrubarem a favela.
O que importa é o quanto circulará cada foto.
O que importa é que o político não estará presente no dia da demolição.
O padre que reza pelos oprimidos.
E a paz quieta e serena do ouro do Vaticano.
Eu adoro os oprimidos.
Sem eles, nossa hipocrisia não seria tão óbvia.
quarta-feira, 31 de julho de 2013
Pradópolis
É que o tempo da noite, deslisando sobre o sono, corre mais rápido.
É que a urgência do amor, transpirando saudades, morde mais forte.
Yara andou por entre postes e calçadas ignorando o medo da escuridão e dos escuros, medos esses sempre tão seus, tão incontornáveis.
Não avisou a mãe. Não pediu ao pai. Não acordou o cachorro.
Chinelos. Frio. Passos firmes.
Algumas poucas considerações lógicas pulsavam em sua mente, reféns de mil emoções explosivas.
Chegou em frente à casa. Era o quarto da frente, a janela de cima.
- Ei, ei! - murmurou alto, para ele ouvir.
A incredulidade abriu a janela.
- Eu vou! Amanhã eu vou sim! Espere lá na rodoviária, que eu vou sim!
E voltou para casa. Sem acordar o cachorro, o pai, a mãe ou o vizinho. E sem conseguir fazer dormir suas imaginações mais ousadas.
É que a urgência do amor, transpirando saudades, morde mais forte.
Yara andou por entre postes e calçadas ignorando o medo da escuridão e dos escuros, medos esses sempre tão seus, tão incontornáveis.
Não avisou a mãe. Não pediu ao pai. Não acordou o cachorro.
Chinelos. Frio. Passos firmes.
Algumas poucas considerações lógicas pulsavam em sua mente, reféns de mil emoções explosivas.
Chegou em frente à casa. Era o quarto da frente, a janela de cima.
- Ei, ei! - murmurou alto, para ele ouvir.
A incredulidade abriu a janela.
- Eu vou! Amanhã eu vou sim! Espere lá na rodoviária, que eu vou sim!
E voltou para casa. Sem acordar o cachorro, o pai, a mãe ou o vizinho. E sem conseguir fazer dormir suas imaginações mais ousadas.
terça-feira, 30 de julho de 2013
Ouvi ontem no ônibus...
- Maaalandro... liga só, que ontem tive uma idéia hiper. Tava pensando sobre nossa aula de literatura, daí li umas matérias de física bizarra na Superinteressante. Aí pensei: o amor é o sexto estado da matéria, e tem massa zero!
- Massa zero, o amor?
- É!
- Você nunca viu minha namorada, não é?
- !
- Massa zero, o amor?
- É!
- Você nunca viu minha namorada, não é?
- !
segunda-feira, 3 de junho de 2013
Ela não gosta de ler
Eu a conheço há um bom tempo e sempre a achei muito gostosa. Jamais imaginei que tínhamos qualquer chance mas, de repente, eis que estamos nos beijando, nos mordendo, nos arranhando, nos possuindo. Eu sempre a achei uma mulher muito gostosa, mas não imaginava que seria tão bom assim beijá-la. Ser beijado por ela. Que o jeito dela passar a mão em mim, no meu rosto, no meu ombro, nas minhas costas, fosse tão especial. Havia algo de fisicamente muito compatível entre a gente.
Mas ela não gosta de ler.
Sobre o que vamos conversar? E mais... que esforço hercúleo eu devo fazer sempre que ela me vê com uma revista um pouco maior e diz que acha chato ver essa quantidade toda de textos? O que eu devo sentir quando ela diz que nem lê meu blog... mesmo sentindo uma certa curiosidade, ou ao menos assim ela diz, mas só de ver o tamanho dos posts já se sente desanimada. Eu deveria aprender a escrever menos, ela disse.
E assim uma possível nova namorada se fez ficante que se fez distante.
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sexta-feira, 17 de maio de 2013
Falei!
E então eu disse a ela:
Venha, vamos viver juntos! Esqueça esse seu namorado idiota. Essa sua mania de arranjar trabalhos sérios porém chatos. Vamos ser felizes nós dois, com nossas longas conversas, com nossas longas risadas. Vamos ser felizes fazendo aquilo que gostamos, descobrindo pessoas curiosas, pessoas de ouro. Ficando longe desses empregos onde as pessoas vão virando máquina com o tempo. Moramos num canto qualquer, mas tendo um ao outro. E aí vamos descobrindo como resolver os problemas. Juntos. Felizes. Com dificuldades sim, mas vamos contornar essas dificuldades todas. Eu te amo. Eu preciso de você por perto. Sei que você sente minha falta. Sei que você sente saudade das nossas conversas. Sei que juntos podemos muito mais do que cada um em cada canto, fingindo que levar a vida normalmente tem qualquer sentido, qualquer valor. Não é sincero. Não é saudável jogarmos nossos sonhos no lixo. Precisamos tentar. Precisamos um do outro. Preciso de você... Vem, vem comigo!
E então eu acordei.
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quinta-feira, 11 de abril de 2013
Agora
Um fusca velho na beira de um rio, numa rua com asfalto velho, rachado. Ele está sobre a terra. Aparência de abandonado. A grama da margem já nascendo por em volta das rodas, dos pára-choques. O cheiro podre da água cheia de esgoto invadindo o interior do carro, impregnando as janelas de uma coloração um tanto quanto opaca.
Um móbile feito de bonequinhos de tecido liso, gostoso de passar a mão. Um bebê no berço. Quase dormindo. Olhando hiptnotizado para o brinquedo que voa logo acima de seu repouso. As paredes pintadas num levíssimo tom azul claro. Recém pintadas. Tudo com ar de novo. Presentes de parentes e amigos misturam-se com as coisas que os pais compraram. Bonecos, carrinhos, luvinhas, meias, macacões, pacotes de fralas. E ele fecha os olhos e dorme um sono gostoso. Alheio a tudo isso. E, também por isso, o centro gravitacional de tudo isso.
Duas da madrugada. Sua visão é boa mas agora as coisas da rua lhe parecem meio turvas, desfocadas. É o efeito do vento úmido e gelado da noite em seus olhos enquanto pedala. Gosta de andar de bicicleta. Casas apagadas. Um bar com umas poucas pessoas. Um outro ainda cheio de gente até na calçada e música ao vivo. Uma casa com uma luz acesa. Alguém acordado? Teriam esquecido a luz acesa? Uma conversa? Amor acontecendo? Um doente recebendo cuidados? Uma insônia se manifestando? Um outro mundo... Pedalou e pedalou. Olhando as coisas passarem. Sentido-se ficando para trás também. Parou em frente ao hospital. Uma ambulância chegava. Manobrou rápido na rua, os pneus chegaram a cantar na curva fechada. Pessoas sairam correndo do hospital, auxiliaram a levar uma vítima de um infortuito qualquer lá para dentro. E então voltou aquele silêncio. Era o hospital. Lá dentro, aquela correria continuava. Mas ali, naquele instante, ele olhou ao redor, e era só a rua quieta de novo. O vento gelado e úmido por todos os lados. Voltou a pedalar.
Tem essa árvore que é longe de tudo. Que os homens nunca viram. Que fica no meio do nada. E tem nela esse galho com um ninho. E tem nesse ninho ovos chocados. Pequenos filhotes. E vai o pássaro-mãe voar e trazer comida. E vai o pássaro-pai afugentando ameaças que aparecem sedentas dos pequenos rebentos. E passam os aviões milhares de metros acima todos os dias levanto pessoas que não sabem de nada disso.
Ajeitou o dedo mindinho. Justo esse, que sempre dá mais trabalho. Soprou. Soltou uma nota longa, suave... Era a nota mais grave de que sua flauta era capaz. E então encontrou ali mais umas cinco ou seis notas. E brincou com tempos. E trocou intensidades. E fez uma música. Em seu quarto. No meio da noite. E ninguém ouviu. E ele não se importou.
sexta-feira, 29 de março de 2013
Blog para quem gosta de livros: O Espanador
Os 80 anos de Philip Roth, O Mágico de Oz ou histórias do nosso sertão. Sem deixar de lado, claro, a ficção de Arthur C. Clarke. Tudo é assunto para quem tem os livros como paixão! Para conhecer este aconchegante recanto da internet, clique aqui.
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quarta-feira, 27 de março de 2013
Geologia do léxico
Não, não minha querida. Esse silêncio todo que mura humores entre a gente nos últimos passeios não é timidez, falta de assunto ou outras indiferenças vazias.
Na geologia das terras ficam as camadas mais antigas lá embaixo. O que o vento soprou ontem é coberto pelo que o vento trouxe ontem. Isso porque nos continentes o nascimento é de fora para dentro. De cima para baixo. Dos ventos para o chão. Da chuva das montanhas para os fundos dos vales.
Na geologia das palavras ocorre o contrário. Porque as palavras nascem lá dentro da gente e assim dá-se que as mais novas estão lá no fundo, dentro, cobertas pelas mais antigas. Daí que, logicamente, só mesmo tendo dito as palavras mais antigas é que as novas poderão encontrar um caminho à superfície do mundo. Assemelha-se mais à mecânica do vulcão que a das planícies costeiras.
Com isso se entende meus silêncios, querida amiga. São muitas palavras velhas, nunca ditas, soterrando as palavras novas.
Na geologia das terras ficam as camadas mais antigas lá embaixo. O que o vento soprou ontem é coberto pelo que o vento trouxe ontem. Isso porque nos continentes o nascimento é de fora para dentro. De cima para baixo. Dos ventos para o chão. Da chuva das montanhas para os fundos dos vales.
Na geologia das palavras ocorre o contrário. Porque as palavras nascem lá dentro da gente e assim dá-se que as mais novas estão lá no fundo, dentro, cobertas pelas mais antigas. Daí que, logicamente, só mesmo tendo dito as palavras mais antigas é que as novas poderão encontrar um caminho à superfície do mundo. Assemelha-se mais à mecânica do vulcão que a das planícies costeiras.
Com isso se entende meus silêncios, querida amiga. São muitas palavras velhas, nunca ditas, soterrando as palavras novas.
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terça-feira, 26 de março de 2013
Garupa
Ela, justamente ela, ele nunca levava de moto. Já aconteceu sim uma carona ou outra, mas evitava ao máximo. Gostava de levar pessoas na garupa e certamente gostaria de levá-la. Ser abraçado por ela. Estar perto dela. Mas não queria correr o risco. E se, bem com ela, algum acidente acontecesse? E se ela se machucasse? Ele não poderia viver tranquilo nunca mais. Não tinha estrutura para isso. Arranjava sempre uma desculpa. Esqueci o capacete. Estou com a mochila, não há espaço. Ela queria andar um pouco de moto com ele, gostava da aventura e gostava do amigo. Mas ele a queria por perto o tempo todo e nunca soube como lidar com o gigantismo desse desespero.
segunda-feira, 25 de março de 2013
Alimentação saudável
Um lanche quente. Era o que eu queria. Nada de comida fria. Um lanche com queijo derretido. Um hamburger. Ou um pedaço de carne, peito de peru. Pouco importa. Um lanche quente no pão francês, pão fresquinho, com aquela casca amarelo-pão quebrando, toda trincadinha como aquelas marcas no chão do sertão. Preparei. Comi. Depois uma sobremesa doce e fria. Sorvete. Perfeito. E, por fim, um pouco de água.
A alimentação precisava respeitar essa ordem precisa. Jogar em um liquidificador tudo junto, água, sorvete e um lanche quente no pão francês e alimentar-se da maçaroca resultante soa para todos os sensatos algo pateticamente repulsivo. Somos uma máquina estranha. Porque no estômago, efetivamente, tudo se mistura. Os poucos minutos que separam a ingestão de uma coisa ou outra não são suficientes para separar a comida no estômago. O que significa que, para fins de nutrição, a mistura não é ofensiva. Mas para fins de degustação, de apreciação, isso faz toda a diferença do mundo.
Somos uma máquina estranha. Quanto à alimentação, é óbvio que a absorvemos assim. Mas muito mais do mundo é artificialmente segmentado em nossas degustações diárias e se torna impossível pensar a vida de outra forma. O mundo é um só, mas jamais conseguiremos efetivamente vê-lo assim. Assim como a necessidade nutricional é composta por um só conjunto de alimentos variados, mas não podemos absorver estes alimentos de uma vez, misturados. Precisamos segmentá-los em parcialidades.
Você conhece uma pessoa. Não pode absorver suas verdades todas de uma vez. Precisa escolher se vai degustar primeiro a aparência, depois as histórias contadas por ela, depois as histórias contadas pelos outros, depois a rica observação quieta de suas atitudes. Como trata o garçon. Como responde à mãe sobre assuntos triviais.
A verdade do mundo. Há uma guerra acontecendo em algum lugar. Há uma pessoa ajudando um necessitado. Alguém faz uma gentileza aqui. Um assassinato segue em marcha ali. Um animal devora outro num canto. Noutro há uma fera prenha dando a luz. Uma criança joga video-game em seu quarto de apartamento alheia a toda a cidade ao seu redor. Que parte do mundo você quer degustar agora?
Assim como as refeições do estômago, vale observar, para uma alma verdadeiramente saudável uma refeição balanceada é necessária. Ainda que a alimentação siga esse fracionamento exagerado, necessário ao paladar mas artificial ao estômago, os diversos tipos de nutrientes devem ser absorvidos. Ainda que só possamos experiementar este ou aquele aspecto do mundo, da vida, das pessoas, a cada vez, para uma existência saudável e balanceada de tempos em tempos todos os tipos de mundos, verdades e pessoas, devem ser devidamente apreciados.
A alimentação precisava respeitar essa ordem precisa. Jogar em um liquidificador tudo junto, água, sorvete e um lanche quente no pão francês e alimentar-se da maçaroca resultante soa para todos os sensatos algo pateticamente repulsivo. Somos uma máquina estranha. Porque no estômago, efetivamente, tudo se mistura. Os poucos minutos que separam a ingestão de uma coisa ou outra não são suficientes para separar a comida no estômago. O que significa que, para fins de nutrição, a mistura não é ofensiva. Mas para fins de degustação, de apreciação, isso faz toda a diferença do mundo.
Somos uma máquina estranha. Quanto à alimentação, é óbvio que a absorvemos assim. Mas muito mais do mundo é artificialmente segmentado em nossas degustações diárias e se torna impossível pensar a vida de outra forma. O mundo é um só, mas jamais conseguiremos efetivamente vê-lo assim. Assim como a necessidade nutricional é composta por um só conjunto de alimentos variados, mas não podemos absorver estes alimentos de uma vez, misturados. Precisamos segmentá-los em parcialidades.
Você conhece uma pessoa. Não pode absorver suas verdades todas de uma vez. Precisa escolher se vai degustar primeiro a aparência, depois as histórias contadas por ela, depois as histórias contadas pelos outros, depois a rica observação quieta de suas atitudes. Como trata o garçon. Como responde à mãe sobre assuntos triviais.
A verdade do mundo. Há uma guerra acontecendo em algum lugar. Há uma pessoa ajudando um necessitado. Alguém faz uma gentileza aqui. Um assassinato segue em marcha ali. Um animal devora outro num canto. Noutro há uma fera prenha dando a luz. Uma criança joga video-game em seu quarto de apartamento alheia a toda a cidade ao seu redor. Que parte do mundo você quer degustar agora?
Assim como as refeições do estômago, vale observar, para uma alma verdadeiramente saudável uma refeição balanceada é necessária. Ainda que a alimentação siga esse fracionamento exagerado, necessário ao paladar mas artificial ao estômago, os diversos tipos de nutrientes devem ser absorvidos. Ainda que só possamos experiementar este ou aquele aspecto do mundo, da vida, das pessoas, a cada vez, para uma existência saudável e balanceada de tempos em tempos todos os tipos de mundos, verdades e pessoas, devem ser devidamente apreciados.
quarta-feira, 20 de março de 2013
Quase aos 30
Conversas com amigos na mesa da lanchonete. Falar mal da menina que pegava todo mundo na faculdade e ao mesmo tempo não ficava com ninguém. Sentimentalmente indecisa. E dava toda a atenção do mundo para os homens e não queria ficar perto de nenhuma das outras mulheres. Falar sobre roupas de trabalho. O cara que vai com a gravata estranha. Que não sabe combinar calça com blazer. Sapato com meia. Pessoas que não conseguem experimentar um pouco de formalidade sem reinventar o ridículo. Trabalho. Quais as pendências atuais. Chefes legais. Chefes chatos. Histórias de reuniões sem objetivo. De pessoas com boas frases feitas. De pessoas que não conseguem abrir a boca com sucesso. Piadas. As piadas de sempre. Quais as carreiras presentes na mesa? Engenheiros, advogados, gente de computação, um empresário. Os estereótipos de sempre, sob a forma de piada. Assuntos aleatórios. Música. Música sempre é um assunto aleatório. Cérebro, um artigo que alguém leu na revista nerd da semana passada. Como era mesmo a história daquela menina que beijava todo mundo? A conta. A conta, por favor. E não nos esqueçamos de cantar parabéns à aniversariante. Pode ser na calçada mesmo.
terça-feira, 12 de março de 2013
Plástica
Ela, Célia, já tem uma filha. A menina está quase em idade de prestar vestibular. Se chama Luisa. Célia é divorciada, mas não quer saber de ficar sozinha. Arrumou um novo namorado. Não sem antes fazer plástica nos seios. Aproveitou as férias, período em que está longe dos comentários do trabalho e em que é possível repousar. Mas a vaidade não se conteve já ao primeiro telefonema com a secretária amiga dela. Não, contava Célia, não fui viajar não porque fiz uma operação, estou bem, é coisa de estética. Coisa de estética, ela diz, plástica nos seios, pensa a outra. E a fofoca se espalha. Confiante e de namorado novo, Célia agora não quer que a filha faça apenas engenharia civil, quer que faça arquitetura ou teatro, quer a ela uma vida de prazer artístico, pois descobrir que todos os prazeres da vida são assim, meio artísticos. Era como se a filha, derivação sua, obra sua, tivesse também seios novos, uma nova alma, mais acabada, mais perfeita, mais capaz e mais merecedora. A filha não conectava as duas coisas. Imaginava a mãe como vítima de uma loucura meio genérica, dessas que acometem as mães em tantos momentos inescapáveis. Seguiu com a vontade anterior de fazer engenharia civil. Inconformada, lá foi a mãe, ela própria, estudar teatro. Trabalhava durante o dia e dividia o tempo livre entre o teatro e o novo namoro. Sérgio, o namorado, trabalhava em um escritório de investigação de dados contábeis. Caçava gente que de um jeito ou de outro desvia dinheiro para si sem matar ninguém, sem roubar nada material, gatunamente, mas ainda assim ilicitamente. Estava enciumado. De repente a namorada, uma mulher já séria, adulta, fazendo teatro? Andando com aqueles jovens todos com os hormônios à flor da pele? Não era aceitável. Não era possível. Não era lógico. Deu um basta naquilo tudo, um esporro cheio de autoridade masculina selvagem, à moda das cavernas. Célia não se abalou. Olhou para ele, nos olhos, e decretou: você precisa de seios novos.
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segunda-feira, 4 de março de 2013
O sentido da frase
Eu achei que ela era uma escritora com alma de escritora. Resolvi perturbá-la, criar uma situação dessas estranhas, dessas que se pode perturbar e ver o que acontece. Escrevi para ela, algumas vezes, como se eu estivesse bêbado. Um bêbado que, contudo, escreve sem erros de digitação e com frases estruturadas. Ela deveria ter desconfiado que eu nunca estive bêbado de outra coisa se não um desespero por conversas inusitadas. Ela, embora escreva sempre fingindo uma sensibilidade para situações e amores e tudo o mais, não tem o sentido da frase. A acuso assim porque ela se recusou a conversar com alguém que se dizia bêbado? Sim, exatamente. Conversar pela internet. Trocar e-mails. Não há bafos, não há riscos. E, minimamente mais inteligente, deveria ter percebido que eu nunca colocara uma gota de álcool goela abaixo. Triste. Fiquei triste, desapontado. Não com ela em particular, mas um pouco desapontado com a humanidade. As pessoas carecem de um certo desejo de comunicação. De uma certa curiosidade pelo ser humano. Muitas vezes o lado humano das pessoas ao nosso redor é aparência. Uma vontade de auto-promoção anunciando-se como uma pessoa boa. Veja como eu sou sensível! Veja como eu percebo as belezas do amor, das pessoas, dos velhinhos conversando na praça! Besteira. Pessoas de verdade, interessadas no mundo para além dessa postura falsa, não dispensam uma boa conversa. Especialmente uma que se anuncie com rumos inesperados.
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sexta-feira, 1 de março de 2013
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Métricas
E se todos os medos sumissem? Os medos trazem lá algum equilíbrio. Componente importante das inércias da humanidade.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Diário de vidas imaginárias
Ficamos os dois juntos, estrelas por testemunhas. A Lua, já indo baixa no horizonte, se escondeu vergonhosa. Beijos. Mordidas debaixo da orelha. A textura da pele. Suor. Gemidos. Dia seguinte voltei para casa, quinhentos quilômetros ao sul. Dormi exausto. Acordo dez horas depois de uma noite intera de sonhos com ela, mas uma outra ela. Aquela dos sorrisos, das conversas. E é isso que ela sempre foi. Uma presença tangente no meu amor. A tangência tem esse mistério... Não pertence nem despertence. Está lá, mesmo que nunca esteja.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
Dói pra caramba, mesmo que já esteja curado
Eu nunca mais tinha ouvido sua voz. Sentido seu cheiro. Olhado nos seus olhos. Desde aquele dia. O beijo na minha testa e você fechou a porta. Carreguei minhas coisas para o carro em um riacho de lágrimas. Eu exagero, não precisava tanto. Hoje, depois de um final de semana de risadas e conversas com amigos, decidi começar a segunda-feira fazendo o que tinha que ser feito. A chave do apartamento e o controle-remoto da garagem ainda estavam comigo. Eu ainda não havia te dado o dinheiro da multa por excesso de velocidade que levei dirigindo o seu carro. Pendências. Você estava ali, sentada de costas para a porta da empresa, fone de ouvido, concentrada no computador. Bati na porta. Você chegou a esboçar um sorriso? Um espanto? Achou em algum momento que eu te procuraria para tentar arrumar as coisas entre a gente? Não consigo fazer isso. Mas dói separar. Dói te ver de novo e sentir saudade de tudo. De como nossa voz ficava mais meiga um com o outro do que com o resto do mundo. Nossas risadas. Eu escuto sua risada o tempo todo. Difícil. Eu não conseguiria voltar. Não conseguiria mais te amar da mesma forma. Você resolveu as coisas me colocando para fora de casa. Aqui está, vim trazer a chave e o controle. Toma, o dinheiro. Sim, aceite, por favor, eu estava te devendo... Não conto mais como foi meu dia para ninguém, quando chego em casa. Não quero saber como foi o dia de ninguém, também. Eu já estou curado, não estou? Estou no trabalho, estou estudando. Estou fazendo minhas coisas, reencontrando pessoas, indo a happy-hours. Saí da sua empresa querendo sentar na calçada e chorar. Tomaríamos um café, não tomaríamos? Qualquer coisa boba dos últimos dias, curiosidades, fofocas, você me contaria. Coisas sem importância: coisas fundamentais. Não importa pensar porque é que funcionou ou não, o que falhou ou não falhou. Essas meditações ficam para o próximo relacionamento. Meu. Seu. A vida segue. Vez ou outra a estrada fica horrível. Uma transição difícil, um trecho difícil de cruzar. Mas fico feliz de pensar que, no geral, a viagem é feita de ótimas paisagens que deixam saudades profundas, prova de que valeu a pena. Um beijo, tudo de bom pra você, de coração...
sábado, 12 de janeiro de 2013
Manhã chuvosa de sábado
Nem abri as janelas do quarto de tudo, já tomei duas canecas de café com leite, a segunda com toddy junto; não sei pra que sair dos pijamas num dia como hoje; tem uma almofada na minha cadeira e fico tentando um jeito de deixar as pernas esticadas, mas não há lá um bom lugar pra apoiar; aí sempre volto ao plano de deixar as gavetas da escrivaninha abertas para apoiá-las, mesmo não sendo lá a última palavra em conforto para vagabundos.
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