sábado, 28 de fevereiro de 2015

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Lá era só eu, o barulho do carro e o rugido da terra sob os pneus. Aquele verde que se desenrolava dos dois lados, denso feito espuma, feito esponja de banho. Macio mas impenetrável, intransponível. Mas tinha lá as criaturas que transpunham. No mais certo elas eram do tamanho apropriado. Miúdas feito corujas, passarinhos de cores nunca vistas antes. Preto em cima e branco dos lados, feito corinthiano. Ou marrons de tonalidade calibrada. E claro que muitas minhocas, moscas, vespas, besouros e essas miudezas andantes todas. Mas vi ali à frente o que não deixou dúvidas: era um focinho, focinho grande. Focinho canino. Freiei quase no susto do jeito que freia quem acabou de atropelar um caboclo desavisado. Freiei bem freiado mesmo. E o focinho logo ali na frente, me olhando. Tinha garoado à pouco. Fazia frio para aqueles lugares abertos. Longe de tudo. Longe demais da varanda mais próxima ou do saco de lixo cheio de restos mais próximo. Ficamos alguns minutos nesse olha daqui e olha dali. Eu não trazia comigo nem ração nem pedaços de carne pois não estava nos meus planos ou receios este inusitado encontro. Das coisas alimentares eu só trazia biscoitos. Gostosos, é verdade, mas no meu costume eram bons apenas acompanhados de café com leite e cobertos com manteiga fresca. Resolvi dividí-la com meu improvisado amigo. Abri a porta. Ele ali, olhando. Pé pra fora. Ele ali, olhando. Saí do carro e ao fazer-me plenamente vertical, zup! Ele desapareceu mata adentro. Que engano meu achar que aquela criatura das selvagerias suportaria qualquer próximo convívio. Voltei ao interno do veículo, dei partida e segui em primeira. Ao passar por onde estava o cachorro joguei uma mãozada cheia dos biscoitos todos ao mato, a esmo, sem nem sinal dele, e segui ali mais adiante. Desliguei novamente o carro uns tantos metros lá pra lá e fiquei com os olhos grudados no espelho retrovisor, sem nem o rosto por pra fora do carro, já que é dos instintos catingueiros fugir de outros rostos. Quando vi num repente ressurgir ali o focinho a farejar os biscoitos jogados, religuei o automóvel e meu caminho segui.

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