sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O Joca

Coitado do Joca. Ele fica sozinho, na sala ao lado. Esqueceram dele. Como é possível esquecer alguém? O Joca não se atualizou. Trabalhava com máquinas de escrever. Tem ideia do que é uma máquina de escrever? É tipo uma impressora que não precisa de eletricidade e, acredite ou não, também não precisa de computador. Você escreve direto nela, direto no papel. Mas não pode apagar. Errou, já era. A vida do Joca foi escrita a máquina de escrever. Ele errou. Já era. Errou em escolher ficar ali, em paz. E as pessoas em volta erraram. Não quiseram ser cruéis com ele. Para onde ele iria, se o despedissem? Ele só sabe mexer no computador para as coisas destrutivas. Facebook, Youtube e correntes nos e-mails. Não distingue nem vírus de fofoca. Mês sim, mês não, o técnico do escritório tem que formatar o computador do Joca porque ficou cheio de vírus. Ninguém sabe se o Joca anda tentando alguma grande promoção do "banco" ou se quer achar a solução para aumentar o pênis. E hoje, como acontece a cada dez dias, mais ou menos, o Joca vio "conversar". As aspas se aplicam. Conversar normalmente é um processo interativo. Fazer "ahn-hã" e olhar, vez ou outra, nos olhos do interlocutor, já conta como interação? Porque quando a gente dá alguma atenção para o Joca ele vomita histórias. Olhando para os cantos das paredes, para o chão, para o nada, ele começa a falar e a falar e a falar. Que foi ver os familiares em Ribeirão. Que comprou um carro mas fez um mal negócio. Que o pai está doente e a família já fala da herança. Que está puto com a empresa porque não ganha aumento há muitos anos. Que vai se revoltar mas talvez seja melhor não se revoltar porque brigar não leva a nada. Ahn-hã... Sei Joca, sei sim. Ahn-hã... Porque a água vai acabar. E o prefeito só faz ciclovias. E o tucanoduto e o mensalão. Leu tudo num e-mail. As denúncias estão rolando na internet. Junto com a as fotos raras do Rio de Janeiro nos tempos da Garota de Ipanema. Vai me passar as fotos. Ahn-hã. Não Joca, não precisa, já vi na internet essas coisas. Sei Joca, sei. E aí ele se dá por satisfeito. Conversamos. Conversamos muito. Ele volta para a sala dele. E é lá que vai ficar até a aposentadoria. Ninguém mais entra. Nem trabalho. Nem atenção. Nem amizade. Só o Joca entra lá. É o lugar dele ficar esquecido, mas em paz.

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