sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Loucos

Ah, mundo de certezas e dúvidas. Dúvidas e medos. Esperanças e sonhos. Como saber se algo é verdade? Mais e mais filósofos, acadêmicos de bons salários, ternos de bom corte e vida confortável, questionam a ciência. Relativistas, são assim designados genericamente. A idéia tem seu apelo. A interpretação do mundo depende do contexto de cada um. Estamos presos ao viés de cada um de nossos paradigmas. Não percebemos o mundo diretamente. Percebemos apenas o que nossos sentidos nos apresenta. No conjunto, essas observações promovem um radicalismo tolo: nada pode ser conhecido. Não há observação científica independente de seu contexto histórico, dos observadores. Tolice!

Se vejo uma árvore lá fora, na calçada, então a existência da árvore é questionável? Por séculos e séculos, aqueles que duvidassem da existência de uma óbvia árvore assim seriam taxados de loucos. Hoje, além de loucos, são também os filósofos relativistas, e eles esperam ser respeitados ao invés de ridicularizados.

Mas aquelas observações todas, ao culminarem nesse filósofo particularmente chato, andaram no caminho errado. Sim, temos acesso apenas às nossas sensações, e não à verdade do mundo diretamente. Sim, nossos paradigmas determinam nossa forma de ver o mundo, de modo que nos livrarmos deles, quando estão errados, é um processo difícil e traumático. No conjunto, essa e outras observações do gênero deveriam levar a outro tipo de filósofo: o que se dedica a expor seus sentidos ao máximo do mundo que puder. Ao máximo de paradigmas que puder. Ao máximo de crises de paradigmas que puder, para entender quando aconteceram, por que aconteceram, e como um próximo passo pode ser dado.

Esse filósofo seria, com efeito, também um físico, também um médico, também um músico e um psicólogo. E viveria viajando. Um ano de aulas aqui, outro em outra cidade. Depois outro país. Pois, por meio de uma investigação profunda dos meandros da epistemologia, este filósofo pode entender o quão perigosa é a armadilha de permanecer mergulhado em um único paradigma, e vê claramente, também, a associação entre um determinado conjunto de paradigmas e o contexto atual de nossas experiências.

Infelizmente, a divisão de trabalho no meio acadêmico nos últimos séculos levou a uma raça de teóricos que é o oposto disso. Passando uma vida em uma mesma sala, cercado de papéis, e com a mesma vista na janela, de repente todas as teorias parecem igualmente concorrentes. Todas as interpretações de mundo imagináveis parecem igualmente válidas. Filósofos: sejam mais curiosos com o mundo à sua volta. Vão às ruas. Vão aos departamentos de engenharia, eletrônica, medicina, biologia. Perturbem os outros profissionais, manifestando o profundo interesse de vocês em entender o mundo. "Olá, sou filósofo e estou buscando entender a realidade e nossa dificuldade em conhecê-la melhor. Como você é um especialista em uma parte dessa realidade, as operações para redução de estômago (ou qualquer outra coisa), gostaria de conhecer um pouco do seu trabalho e das suas dificuldades".

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