-Sabe o que eu estava pensando?
-Na última quermesse antes do fim do mundo, no sabor da fogazza de frango com catupiry enquanto os meteoros caiam iluminando a noite lindamente.
-Não exatamente isso. Mas bem que poderia. Tem seus catastrofismos também mas com menos pirotecnia.
-Então conta lá.
-O livro da vida.
-Que livro da vida?
-O livro da sua vida. Imagina uma estante mágica. E tem um livro lá que é a história da sua vida toda. E você pode pegar e ler. Você ia ler? Mas tem que ler até o final!
-Olha, não sei. Certeza que já pensaram nisso. Já pensaram em tudo, hoje em dia, não é mesmo?
-Tá, mas você ia ler o livro? Saber o que acontece depois?
-Ih, mas esse é o óbvio. Esse livro tem outros problemas também. E nisso não sei se já pensaram muito bem.
-Que outros problemas?
-Saber o que vai acontecer no futuro é um problema clássico de filosofia. Bola de cristal. Videntes. Astrólogos. O futuro e seus encantos. Mas com esse livro seríamos confrontados também com nosso passado. Imagine que sua vida vai até o capítulo oitenta. E você está no capítulo trinta e oito. Mas achou o livro super sem graça até aí. Como é que fica?
-Nossa, é verdade. Mas também pode descobrir que coisas bobas foram mais importantes do que parecia. E que coisas que você achou super importante são as sem graça.
-Pois é. Você achou que aquela mudança de emprego tinha sido impressionante. Você achou que foi super legal quando terminou com aquela namorada. Mas vê que, revisando a história, não é bem assim. E vê que aquela pessoa que ajudou, tal dia, ou aquele conselho que deu num ônibus, bem de improviso e sem grandes preocupações, causaram grandes mudanças.
-Mas tem que ler o livro inteiro. Não pode ler só o começo.
-Hmmm. O futuro também pode ser complicado. Quem escreveu o livro? É como um diário vindo do futuro? Ou é em terceira pessoa? Ou narrado por outra pessoa próxima? Porque essas coisas mudam. A gente vai saber do futuro, mas quando vivê-lo não vai ser bem assim. Vai ser como o problema da primeira parte da vida, mas ao contrário. Você lê a história e fica esperando uma coisa, mas conforme a coisa toda acontece, vê que e experiência de viver aquilo foi diferente.
-Não iria perder a graça?
-Em um certo sentido sim. Perder a graça por saber o que viria. Mas experimentar é sempre diferente de saber.
-Afinal, você leria o livro?
-Não.
sábado, 31 de janeiro de 2015
O livro da vida
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