sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Terror

Estico os pés. Sempre estico os pés antes de abrir os olhos. Deixar o sangue começar a se mover pelo corpo com mais vigor. Abro os olhos. O quarto está diferente. Não é o mesmo quarto em que eu deitei. É outro. Olho minhas mãos. Elas demoram a responder e vêem todas enrugadas. Brancas pálidas com manchas. Mãos jurássicas. Mãos que recebem aposentadoria e andam de graça de ônibus. Mãos que tremem pra chegar até a boca. Quanto tempo? Quanto tempo?

Preciso levantar dali. E se for meu último dia? Onde estou afinal? Pelo menos eu não fiquei burro. Já vou pensando em várias explicações. Alzheimer. Só pode ser. Filha da mãe de doença. Lembro que era 2015 mas está tudo com cara de 2060. Memória de curta e média duração com problema. Perda das lembranças mais recentes e permanência apenas daquelas mais distantes. Li sobre isso. Li sobre isso em 2006 ainda. Em um livro de papel. Parece não ter nada de papel por aqui. Há fotos nas paredes. Fotos nas paredes! Devem conter respostas. Coisas que fiz ontem. Na última semana. Nas últimas décadas.

Muitas pessoas sorrindo. Ao meu lado. Na cama. E eu estou na cama em todas as fotos.

Não foi Alzheimer! Fiquei desligado. Desligado na cama. Esse tempo todo! Não ouvi o que diziam. Não vi sol nascer. O sol se pôr. O que aconteceu nesse meio tempo? A vida aconteceu e eu não vi.

Estico os pés. Tremo as mãos. Abro os olhos. Acordo. Meu quarto. 2015. Puta pesadelo.

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