Outro dia tomei em minhas mãos um grande volume de ficção. Imaginei quantas horas e horas e horas de trabalho foram desprendidas para se chegar àquele resultado. E aí fiquei pensando que somos uma espécie muito estranha. Tantos e tantos problemas reais, concretos, por serem resolvidos, e essa gente por ai, com os tecladinhos no colo, ou os tiozões ainda nas máquinas de escrever, inventando mundos que não existem. Diálogos que nunca aconteceram. Emergências que nunca ameaçaram ninguém e soluções impossíveis para problemas que nunca existiram.
Será que existe um ramo próprio nos estudos literários para tratar desse problema? Será que os antropólogos já pararam para pensar nisso?
Resolvemos muitos problemas práticos. Nós, a humanidade. Construímos pontes. Entendemos os movimentos do Sol. Aprendemos a plantar. Aprendemos a fazer roupas e a fazer máquinas para fazer roupas. Inventamos a roda.
Mas fico sentado aqui, nessa poltrona num canto da livraria, vendo quantos livros existem tratando de problemas reais e quantos existem tratando de qualquer outra coisa, histórias inventadas, romances, ficções... E penso que a abordagem de problemas reais é um evento acidental, um efeito colateral de nosso impulso maior: o impulso de criar histórias. Eventualmente, ao tratar de coisas reais, a história vai ter sua coerência auditada pela natureza do mundo. Ciência. Engenharia. Medicina. Mas em outros domínios as histórias são mais e mais livres e aí florescem com toda sua coerência.
O impulso de criar histórias é nosso impulso de tatear no escuro dos domínios desconhecidos.
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