Todos eles nascem assim, hoje. Assim em dois berços. No berço hermético que habita em mim, berço fechado em si que se projeta pra si que só quer saber de si. E nos exorcismos. Nas erupções incontidas. Nas cuspidas escatológicas pra fora no último desespero abrupto que salva de um engasgue mortal. Exorcismos herméticos. Expressões desesperadas de mim que precisam nascer antes que me matem, mas cujas raízes e ligações finais guardo pra mim, covardemente demais talvez, prudentemente demais, espero. Eu sou um escritor no sentido mecânico de gastar tempo considerável na lida de escrever. Mas sou um leitor também, e como leitor estou longe de ter meus escritos como preferidos. Sou medíocre. Sou consideravelmente medíocre. Na variedade dos temas, na criação de cenas, nas fronteiras do vocabulário e no trançar do estilo próprio. Bem medíocre. E gosto disso, por fim, é estranho, difícil de explicar aos outros e difícil de explicar a mim mesmo. Mas gosto dessa mediocridade. Ela me dá a paz de saber que vou poder continuar escrevendo única e exclusivamente por conta disso: precisar escrever. Porque em outros domínios da vida já me deixei admirar em meus méritos e sei o fardo que é uma admiração próxima toda cheia das expectativas que cheiram de perto, olham de muito perto e querem tocar o tempo todo. Não se tem paz. E se tem algo que quero quando escrevo e que eclipsa toda minha mediocridade e me conforta é bem isso: essa paz.
segunda-feira, 20 de agosto de 2018
domingo, 19 de agosto de 2018
Curto circuito
Eu não acredito nesse papinho barato de exotéricos exóticos místicistas que saem por aí falando de "energia". Energia positiva dali, negativa de lá... Eles não sabem calcular a energia cinética de uma pedra movendo-se a um metro por segundo e muitas vezes, nem mesmo, avaliar corretamente uma conta de luz. Pergunte a eles o que é um "quilowatt-hora"... Então, sem nem precisar discutir a viabilidade filosófica de algum conceito de realidade exótica, posso dispensá-los pura e simplesmente por estarem fazendo um péssimo uso do vocabulário disponível.
Mas embora a fenomenologia que professam esteja errada, devo admitir que ao menos alguns dos fenômenos que buscam explicar de fato ocorrem. Dizem esses místicos que há pessoas por aí que sugam nossa energia. Não, não há pessoas que sugam nossa energia. Mas há, de fato, pessoas que colaboram para que nosso ânimo se esvaia. Há todas as combinações possíveis... Duas pessoas podem fazer um bem danado uma a outra. Qualquer uma delas pode se sentir ótima com o relacionamento que têm ao passo que à outra este é extremamente danoso. E pode ocorrer também que a ambas nada de bom se manifeste.
Duas possibilidades são muito boas: pessoas que se fazem muito bem e pessoas que, mutuamente, se fazem muito mal. Sim, este último caso também é bom, pois em pouco tempo ambos reconhecerão que não há que se misturarem e pronto, problema resolvido, mutuo acordo, sem traumas. Mas duas combinações são potencialmente catastróficas... Sim, pois quando uma pessoa faz um mal danado a outra, mas essa outra faz um bem danado à primeira, tem-se uma forte assimetria que induz uma espécie de instabilidade dinâmica: se a coisa toda já era ruim inicialmente, tende com o tempo só a agravar-se.
Não preciso apelar a energia negativa, vibrações do astral ou sei lá mais o quê. Esse fenômeno do transfluxo de ânimos deve de alguma forma assentar-se sobre explicações físico-psicológicas que não impliquem em abalo nenhum à ciência moderna. Mas fica a conclusão de que devemos reconhecer o que uma pessoa recém-conhecida é pra gente para que possamos administrar tudo da melhor forma possível.
sábado, 18 de agosto de 2018
Os outros
Não se trata de você. O Ministério da Cultura não tem a ver com artistas. Quer dizer, tem. Mas não é por isso que ele é importante. Não me interessa saber quais artistas sobrevivem ou não sem este ministério. O importante, e o que deveria estar em discussão, é o acesso à cultura. Você, artista, consegue se virar sozinho. Tem um trabalho reconhecido. Nunca teve um projeto que passasse por projetos de apoio do governo. Parabéns. O ministério da cultura pode não ter nada a ver com você mesmo.
Mas então me diga... Quantas vezes você utiliza dinheiro do seu próprio bolso para viajar a lugares distantes e realizar apresentações para pessoas que não podem pagar? De resto... Financiamentos indevidos devem ser combatidos. Regras inadequadas precisam ser alteradas.
Na política não existe linha reta. Na gestão de um país não existe rota direta. Adequações devem acontecer o tempo todo mas uma coisa é fundamental: não perder de referência o norte. Em muitos países avançados e com bom cenário cultural não há uma entidade autônoma dedicada exclusivamente à cultura.
Muitas vezes é uma área ligada ao ministério da educação ou alguma grande área qualquer. Mas o Brasil tem sua história própria. Tem sua inércia própria de ignorar a cultura. Ou melhor, ignorar a descultura daqueles que mais dela precisam. Um ministério autônomo facilita, dentre outras coisas, a fiscalização de suas ações. A denúncia de seus problemas visando melhorá-lo o quanto antes.
E, lembrando, caro profissional da cultura... o foco não é você. Acho sim escandaloso que artistas endinheirados como Ivete Sangalo ou outros "grandes nomes" (grandes contas) recebam dinheiro público para apresentações. Mas não acho que a briga seja por "deixar de pagar os grandes artistas para pagar os pequenos". O objetivo central de uma boa política pública de cultura deve estar centralizado, repito, nos destinatários... Cursos, teatro, música, acontecendo naquelas cidadezinhas abandonadas. Ou naquela periferia que é um mundo à parte. Aqueles lugares em que muito artista não vai topar ir nem pagando. A cultura precisa chegar a essas pessoas. E esta deveria ser a discussão.
E nem vi ninguém discutindo isso.
Vi gente reclamando que o ministério deveria voltar porque vai acabar dinheiro para atividades culturais. Vi pessoas falando que o ministério não deve existir porque dá dinheiro para quem não deve.
É mais ou menos o seguinte: todo mundo num farto jantar em torno de uma mesa bem recheada, discutindo sobre a fome no mundo, enquanto lá na calçada os mortos de fome continuam a cair pelos cantos.
sexta-feira, 17 de agosto de 2018
Contágio
Condorcet acreditou que o progresso científico implicaria em um progresso humanístico da sociedade. Seu erro foi olhar puramente para o acúmulo de conhecimento sobre a natureza, o acúmulo de domínio técnico, e ter ignorado um outro ingrediente fundamental para o que desejava: a transmissão de conhecimento. Ou, mais precisamente, a transmissão de inspiração pelo saber. Algo que a humanidade tem ignorado sumariamente e que tem sido o principal ingrediente para o ziguezaguear da história.
quinta-feira, 16 de agosto de 2018
Freud
Ela tinha pernas deliciosas. Não que estivessem completamente à mostra, ou muito menos que eu já as tivesse experimentado. Mas era visível, era notável, óbvio, impossível deixar passar. Deliciosas. Aquele vestido azul de tecido fino e leve descia até pouco abaixo das nádegas. E as nádegas estavam a uns meros centímetros do meu rosto, quase nada abaixo da minha linha de visada. Como não olhar? A escada rolante é uma invenção dos homens, uma criação do sexo masculino. Essa obra prima da tecnologia moderna veio ao mundo mitigar o risco de tropeções indevidos enquanto investimos toda nossa atenção aonde ela deve estar: na gostosa mais próxima.
Não resisti. Resolvi morder. Mordi.
De repente estava num jardim meio abandonado. Pessoas conversavam comigo, queriam saber se deveriam carregar as coisas até a garagem ou deixá-las ali no terraço. Eu estava com frio...
De repente o sol queimava meus olhos. Na boca, um gosto horrível. Olhei para o lado e de repente meu corpo todo sentia o gelo do piso do quarto. Cadê ela?
Das apreciações
Confesso duas maneiras distintas e opostas de apreciar a manifestação intelectual. Ambas coexistem em mim.
Por vezes admiro a paciência e o capricho das longas e detalhadas explicações.
Noutras tantas acho que só a manifestação direta e sucinta faz sentido. Afinal, se gastarmos a vida toda lendo longas análises para por fim compreender o mundo, não haverá mais tempo para por nada em prática.
Creio que a manifestação ideal não pertença a nenhum dos extremos.
terça-feira, 7 de agosto de 2018
Dilema
E é interessante isso... Ninguém sabe o que vai acontecer! Ninguém sabe... E mais ainda, digamos logo de uma vez! Ninguém sequer sabe o que acontece! Duas pessoas juntas, dizendo coisas, dividindo gestos, e pensando universos secretos. E sempre será assim... Às vezes as coisas se acertam, discussões, brigas ou sorrisos, coisas leves... Todo jeito é vivido por alguém.
Tem alguém aí sem afinidade com o futuro. Esse alguém talvez seja eu, embora eu costumeiramente minta sobre quem sou. Mexo nas minhas coisas... Compro promessas de futuro e espalho pelo meu quarto. Fico mexendo nelas... Sonhando serem certas histórias emocionantes.
Eu gosto de abrir portas, não de viver dentro da sala. Gosto de folhear livros, de ver filmes, de abrir gavetas, de conversar com estranhos. Adoro conversar com estranhos. E tenho esse problema, esse problema sobre amanhã... O que vai ser amanhã?
Tenho medo do futuro mudar, mas tenho medo de já sabe-lo... Se eu já sei do futuro, tenho um pouco menos dele por desvendar. O inesperado me assusta, mas me seduz...
sábado, 4 de agosto de 2018
A mansidão que mata
A mansidão dos intelectuais é o tal do "silêncio dos bons" que tanto assustou Luther King. As pessoas que realmente são capazes de tomar boas decisões para o mundo, que são realmente capazes de entender a economia e as relações culturais diversas, essas estão quietas. Vivendo suas vidas de livros interessantes e programas culturais enriquecedores. Mas uma vida desprovida de ações exceto em casos extremos. O paradoxo é esse: pessoas boas são mansas, mas a mansidão não favorece a propagação cultural dela própria ou a ascensão ao poder das pessoas assim formadas. É assim que temos um mundo oscilante. É preciso que a coisa degringole demais para que as pessoas mais corretas se mexam. Aí depois elas relaxam e os Trumps e Bolsonaros da vida assumem os postos de poder.
sexta-feira, 3 de agosto de 2018
De novo
Boca seca.
Peito mole, respirando estranho.
Não, eu não sei chatear ninguém.
Bem que deveria.
Sei que deveria.
Mas não gosto de ter que chatear ninguém.
É estranho esse peso de ser quem se é.
Porque é preciso agir sobre o mundo,
Interferir, mudar, agredir...
Boca seca...
Braços largados...
Vontade de cair na cama
E não amar nunca mais.
quinta-feira, 2 de agosto de 2018
Da leitura e da fala
As conversas deveriam ser o meio principal de interação humana e de troca de ideias. Mas não são. Não é coincidência que precisamos da linguagem escrita para que a humanidade pudesse acelerar seu progresso humano, científico, econômico e tecnológico. A leitura, ainda que seja um contato com o outro, é uma experiência solitária, individual. As palavras alheias soam em nossa mente com nossa própria voz imaginária. Dividem espaço direto com nossos próprios pensamentos sem violentar nossos ouvidos. Há o tempo de ponderação. Há a oportunidade de se completar um raciocínio em algumas páginas.
Donde concluímos que o progresso da humanidade deve ser correlacionado ao progresso da experiência de leitura - quantidade E qualidade.
Donde concluímos que estamos na merda.
Assim
Eu desejei. Que mal há em desejar? Macia, apertável, cheia. Água na boca só de olhar. Deixei meus pensamentos pensando o que quisessem, ninguém estava olhando. Tirei toda sua roupa em meus pensamentos, mordi seu corpo. Nos amamos até a exaustão. E ninguém nunca viu. Nem você.
terça-feira, 31 de julho de 2018
Olha o nível
E quando o café acaba? Aí eu fico olhando para a xícara. Olhando para o computador. Olhando para a janela. Acabou-se a minha distração. Acabaram-se as minhas desculpas. Não posso mais enrolar com o trabalho. Estou com a cabeça cheia de café, devo estar a mil, acelerado, estimulado! Não posso mais ficar girando a caneca de um lado para outro, observando as ondulações na superfície escura, imaginando quanta coisa está acontecendo ali. Tensão superficial, forças de Van-der-Walls, força centrífuga. A cafeína atrapalha o Van-der-Walls? Certeza que com a água pura as forças são mais fortes. Aquele mosquitinho que caminha sobre os lagos e beiras de rios nas águas calmas, apoiando-se na tensão superficial da água, será que ele cairia dentro da caneca de café? Será que eu engoli um? Aí será que ele sairia voando feliz, acelerado, estimulado, cheio de energia? Ou ficaria puto da vida com a quebra dos pequenos equilíbrios da sua vida, tal qual eu estou agora, sem saber o que fazer porque acabou a porra do café?!
segunda-feira, 30 de julho de 2018
Pernas
Minha vida está enferrujando? Meus sentimentos estão enferrujando? Minha poesia? Ah, menina... Não sabe o que fala, mal imagina... Flertamos por aí, nesses acasos deliciosos, cheios de diálogos comportados e olhares indecentes. Eu quero você, e sabe disso. Quer a mim também. Beijo? Mais que beijo, talvez... Na cama, misturados. Em tardes no sofá, em passeios por aí... Desejo... Mas no fundo sabemos mais do teor desses impulsos do que gostaríamos. O que às vezes é orgulho, esse autoconhecimento que temos de nossos instantes e da vida como um todo. Às vezes é também martírio, é odioso e repulsivo. Queríamos tanto não ter laço nenhum com o resto do mundo e nos darmos a esta sede áspera que às vezes até machuca os impulsos, tão incontida que é... Não, não estou enferrujando. Estou investigando essa estranha criação da civilização... Estou experimentando essa coisa que é ter um certo auto-controle. Estou inventando meus segredos proibidos para me tornar um cidadão bom aos olhos até de Dostoiévski.
Você sabe dos meus desejos porque os instintos vazam informações que não deviam, mas no fundo é tudo ainda um segredo. Nem ideia faz das coisas que penso ao ver a bela foto de suas pernas... O volume bem contornado que você deixa em seus vestidos, o contorno confortável de seus lábios nas fotos... Gosto desses desejos impuros, mas tenho-os para mim apenas.
domingo, 29 de julho de 2018
Continua indo
Bateu no despertador como se estivesse em um ringue prestes a vencer um velho inimigo. Pulou da cama contrariada. As roupas já estavam escolhidas. Vestiu-as a contragosto. Esquentou a água para o café e passou geleia em duas fatias de pão. Não era um banquete de frutas anti-oxidante mas já era melhor do que o jejum do dia anterior. Se bem que, anda lendo, jejum é algo saudável. Vai parar de ler. Anda ficando confusa. E estressada diante de tantas opções. Queria levar uma vida só e pronto. Ter a tranquilidade de estar seguindo adiante corretamente ou, ao menos, sem culpas. Aqueles casos podiam esperar. As vítimas já estavam mortas. O que restava agora era papelada. Quem iria para a cadeia? Não há suspeitos. Quer dizer, há os suspeitos óbvios. Mas não há prova. Rio de Janeiro não é um lugar de prender assassinos. É lugar de curtir praia, futebol, cerveja gelada. E de se esconder de tiros. Ninguém resolve assassinato enquanto tem que se esconder de tiros. Você continua se escondendo para evitar ser o próximo, só isso.
sábado, 28 de julho de 2018
Eles
Beto trabalhava há vinte anos no mesmo lugar. Carregava as caixas do caminhão até o armazém. Beto era feliz. Tinha a casa onde sua mulher dera conta de fazer os filhos batalharem na vida. Trabalhavam eles agora, estudavam. Vida difícil, mas vida indo. Aí Beto ficou velho e morreu. E os filhos cuidaram da dona Zuleica, a mãe. Que envelheceu e morreu. E aí os filhos trabalhavam em diversos lugares. O Luca, depois de trabalhar como office-boy, auxiliar de escritório, e várias coisas assim, pagou a faculdade como pôde e virou dentista. Está de férias nesta temporada, viajando em Recife, pra onde nunca tinha ido. A Raquel virou jornalista. Está fazendo a maior parte de seu dinheiro na base dos "freelas". E o Jorge abriu um negócio de carros depois de oito anos de um odioso trabalho no meio bancário, que ao menos lhe permitiu juntar um dinheiro.
sexta-feira, 27 de julho de 2018
O emburrecimento da nação
A falta de discussão filosófica, de educação argumentativa, produz uma nação capaz de filosofar e de argumentar. Straightfoward, right? E é esse o pé em que estamos. Somos incapazes de compreender princípios. Cada cidadão está mergulhado em sua experiência imediata sem uma percepção de tempo e de contexto que extrapole sua existência individual. A despeito da comunicação verbal e dos smartphones, retornamos à selvageria. A capacidade de abstração desapareceu. Como discutir princípios legais como a presunção de inocência, ou impactos de segunda ordem de políticas públicas a longo prazo, com pessoas que passaram a vida sem contato com a filosofia e com a experiência de discussão de pontos de vista diferetes? Idiocracy está acontecendo.
Outro dia fui discutir com uma amiga se o mundo está evoluindo ou involuindo. Entramos em um embate em torno da palavra “involução”. E eu queria entender melhor o que ela estava querendo dizer. “Imagine um mundo que está involuindo. Como seria esse mundo?”
“Mas não está! As coisas ruins estavam em um estado latente.!”
“Sim, entendo. Mas, por hipótese, em um mundo que sofresse uma involução, o que aconteceria?”
“Mas não está! Há coisas que não apareciam nas estatísticas do passado e agora aparecem, entende?”
E assim foi. Difícil entender o mundo real sem conseguir investigar as nuances das abstrações.
quinta-feira, 26 de julho de 2018
Arrumar o passado
Este post está sendo escrito no dia 14 de julho de 2015. Mas vou publicá-lo no blog sob a etiqueta "26/07/2018". Milagres da era digital. Por que vou fazer isso? Porque eu posso. Porque a eletrônica permite. Porque planejei este ano com dois posts de texto por dia e um post de foto. E quando a coisa começou a degringolar decidi que, tão logo quanto possível, iria correr atrás do atraso e tapar os buracos.
Faria o mesmo com a vida. Mas a vida não é eletrônica como os blogs. A vida é a vida e pronto. Feita de um tempo que passa. Sem uma interface editável. Sem uma caixinha no canto da tela para escolher alterações.
Mudar aquele dia em que decidi não mudar de casa e poderia ter mudado. Mudar aquele dia em que aceitei fazer uma viagem e poderia ter ficado em casa. Mudar aquele dia em que fiquei em casa e poderia ter saído para viajar. Mudar aquele dia em que falei umas verdades e feri. Mudar aquele dia em que fiquei quieto e depois pensei em respostas fantásticas que deveria ter dito na hora para não ficar na pior.
A vida é um ensaio. Mas é também a primeira e única apresentação.
Altos e baixos
O controle do mundo está em mãos muito erradas. Quem são os políticos e empresários que governam este planeta? Que decidem as políticas que irão não apenas influenciar a vida de bilhões de pessoas e de uma infinidade de espécies hoje, agora, mas também comprometer definitivamente o futuro? Qual a apreciação que essas pessoas têm pela história da humanidade? Pelo conhecimento científico tão arduamente criado ao longo de milênios? Infelizmente, por alguma razão, pessoas com uma devida apreciação da aventura humana são demasiado mansas nos jogos de poder e de empreendedorismo. Isso irá produzir um novo solavanco no avanço da história humana. Infelizmente, as gerações que desfrutam do conforto produzido pelo trabalho duro de cientistas, filósofos e ativistas que mais arduamente se dedicaram ao avanço das grandes questões são as gerações que se dedicam às distrações mais fúteis e se tornam incapazes de apreciar a real profundidade dos debates em voga.
Fim de semana e fim
Era tão claro que ia acabar. Não que fosse esse o único curso possível para os fatos. Não. Mas também... Você apareceu pelas vias erradas. Sim, eu te quis em minha solidão, em meu íntimo. Mas não dentro do meu íntimo mais secreto, esse que precisa continuar fechado para que eu seja eu. Esse que os amantes mais íntimos não devem nunca compartilhar sob pena de não suportarem a verdade incontornável da material humanidade de que somos feitos. E você chegou já, direto, justamente aí. Justamente na minha intimidade secreta. Lembro da gente junto, seus gemidos inesquecíveis enquanto parecia ser impossível beijar todos os beijos de uma vez, e a gente continuava tentando... Mas eu queria mais que uma fusão de corpos, e sua vida parecia distante. E eu não vi minha sede de intimidade saciada do meu jeito e isso é egoísta e é assim que as coisas são. Algumas descronologias não foram complacentes com meus ciúmes e minhas inseguranças. Fraco? Fraco, é... fraco. Mas não sei o quanto ser fraco contra a própria natureza é uma fraqueza em si. Sou assim que sou e me nocautear por você é também deixar de ser quem se apaixonou por você. Mais natural ver o amor se ir, apenas ele... Eu fico aqui. Eu fico aqui, com uma certa saudade. Com a cena do seu cabelo cobrindo o rosto. Com o som de sua risada. Com a sensação insípida dessas vidas não misturadas. Com uma certa saudade...
quarta-feira, 25 de julho de 2018
segunda-feira, 23 de julho de 2018
Onde o Estado termina
Se é verdade, como de um modo ou de outro analisaram Hobbes, Rousseau e outros pensadores, que o Estado consiste em uma transmissão do direito de violência do povo ao governo para que a vida transcorra de um modo mais civilizado, então esse momento em que o cidadão compra uma arma e vai praticar tiros para se sentir mais poderoso e ter a certeza de que "qualquer coisa, eu resolvo", é o momento em que o fim do Estado foi declarado. São cidadãos apolíticos, são uma verdadeira ameaça à constituição de uma civilização melhor.
domingo, 22 de julho de 2018
Sombra
Ela lia. Chegava em casa, o marido já descansando. A bagunça reproduzia-se à volta como no dia anterior. Na semana anterior. Como fora em toda a eternidade, antes do mundo ser feito.
Ele estava em seu escritório, que ficava dentro do próprio quarto. A porta trancada, e ele de cueca apenas. Não que o conforto dessa pouca vestimenta tivesse algum atrativo especial, mas gostava de imaginar que estava se comportando como a maioria das pessoas jamais se comportaria. Foi para isso também que tomou um copo de conhaque logo depois da janta, em plena quarta-feira. No mais, o álcool lhe era extremamente incômodo à garganta.
Ela estava com o coração palpitante, esperando que o computador se fizesse em pleno funcionamento. Internet. Blogs. Os textos dele. Ela lia, lia... Do começo ao fim. Seriam pra ela? Estaria ele pensando nela? A incerteza é cruel. Às vezes penso que se Deus desse provas concretas de sua existência por aí o número de fiéis diminuiria ao invés de aumentar. A dúvida insolúvel libera a mente a ir de encontro aos seus anseios mais profundos, a moldar a realidade exterior tal como sua essência mais escondida. Ele a amava, era a única explicação.
Ele brincava com palavras com um misto de alegria e tristeza. Queria ser poeta. Queria ser livre. Queria ser inédito. Mas frustrava-se com as demonstrações irrefutáveis de sua pequenez. Ainda assim, buscava o prazer de criar, prazer infantil desconexo de julgamentos de qualidade. Escrevia, escrevia... Imaginava coisas, e escrevia.
Quem diria que essas vidas viriam a se misturar? Quem diria que essas solidões se acolheriam por alguns dias, desesperadas?
E depois nunca mais se souberam.
sábado, 21 de julho de 2018
Palavrões
Estou confuso. Minha professora ficou horrorizada quando falei um palavrão em sala de aula. Mas era uma aula sobre comunicação, sobre linguagem, e eu usei o palavrão explicitamente como um exemplo de como uma situação se passaria na prática, no "mundo real".
"Adoniran, ninguém fala assim!"
Falam, as pessoas falam sim!
Minha professora é jovem. Vem de uma cidade pequena. Será que isso é um fator? Será que em seu recorte do mundo realmente o uso de palavrões é tão negligenciado a ponto de passar como algo absolutamente inaceitável? Eu achei que não existissem mais pessoas assim. Acho curioso que os palavrões sejam vistos por uns como um sinal de má educação quando, na prática, é frequentemente um sinônimo de amizade mais intensa.
Imagine um homem atendendo o telefone. O Armando. E duas respostas possíveis:
Resposta 1: Olá Armando. Como vai? Estou ligando para saber como você está.
Resposta 2: Fala aê seu merda? Como é que estão as coisas com você, minha putinha?
Qual dos dois interlocutores parece ser mais amigo do Armando? É sem sombra de dúvidas o interlocutor da resposta 2, e se para você essa resposta pareceu apenas ofensiva, sinto informar mas seu círculo de amizades é muito careta ou ninguém tem por você uma amizade muito profunda. A ofensa-fake entre amigos é uma espécie de extensão das brincadeiras físicas que se verificam entre todos os mamíferos. Se observarmos como pequenos leões, ou macacos, ou humanos brincam, frequentemente essas brincadeiras envolvem atitudes que parecem uma luta simulada. Assim é também com as palavras. São palavras ofensivas, sim, mas usadas de um modo que evidencia a brincadeira e a boa intenção e, assim, reforça a amizade ao invés de enfraquecê-la.
Nossa linguagem é complicada pra caralho, não tenha dúvidas.
sexta-feira, 20 de julho de 2018
Três da tarde
Se eu estou criando, estou feliz. Que importa a criação em si, afinal? Sua qualidade, seu acabamento? Deus, o criador supremo, que nós mesmos veneramos e tudo o mais, num momento de inspiração não se deu ao trabalho de fazer nada melhor do que este mundo que está aí fora. Que qualquer um poderia imaginar melhor sem a mínima dificuldade. Que tanto trabalho dá a teólogos e filósofos para a elaboração de pesadas justificativas para os problemas existentes dentro dos moldes de alguma lógica maior. Que tão ridículo torna o otimismo incontorcível de Pangloss. Estou criando, e estou feliz. Ficar sentado à beira da cama, olhando a sombra dos móveis mudar de lugar... Isso não legal. Mudar o mundo, isso não é pra mim. Não de forma desesperada. Mudo o mundo sendo o que sou e deixando que as consequências reverberem. Não quero mudar o mundo dos outros, quero meu mundo aos meus moldes. Quem se inspirar, que faça um bom proveito do que vê.
quinta-feira, 19 de julho de 2018
Percolação de variações sociais
Estamos em 2018. Em algum lugar das florestas africanas uma menina retorna para casa com um cesto feito de palha amarrado às costas. Carrega frutas e lenha. Em sua mão, um celular fazendo uma selfie que ela colocará com orgulho em sua conta do instagram. Em algum lugar das cidades europeias, em meio a sistemas de transporte eficientes e com bibliotecas por todos os lados, e internet rápida, uma família debate sobre a ameaça que os homossexuais representam aos bons costumes. Estamos em 2018.
Nada é óbvio. A ideia de progresso da humanidade é uma ficção. Há sim conquista de novos conhecimentos e de princípios melhores. Mas ninguém tem tempo de avaliar devidamente os rumos da própria vida. Fazê-lo decentemente demanda o tempo da própria vida. É assim que, então, as pessoas seguem sendo aquilo que sabem ser. E nada mais.
Estamos em 2018. Em algum lugar uma professora fica horrorizada porque um aluno falou um palavrão em sala de aula. Em algum lugar um aluno reflete que aquele tipo de pudor é absolutamente simbólico e arbitrário. E que sua transmissão e mesmo sua rejeição está condicionada a determinados recortes da sociedade. A ideia de que certos palavrões são inaceitáveis, bem como a atitude de vê-los como simples ferramentas de comunicação que nada implicam sobre quem os utiliza, precisa se difundir pela sociedade. Essa difusão é como nanquim na água. Precisa percorrer um caminho. Precisa se diluir. Se difundir. Mesmo hoje, com toda a modernidade, as ideias não fluem facilmente. Por que?
quarta-feira, 18 de julho de 2018
Indo
Veio mais um trem
Trem lotado
Todos cabiam
Menos eu, fiquei.
Sentei ao lado de sei lá quem.
Abri um livro.
Li.
Veio outro trem.
Li.
Outro trem.
Li.
Outro trem.
Li...
Os outros entravam nos trens
Eu ia mais longe
terça-feira, 17 de julho de 2018
Dois tipos de luta
Há lutas que insistem na paz
E há lutas que aumentam as rupturas
Olhe em volta
Para as justiças que assim lhe parecem
Identifique os dois tipos
Há aquele que produz o diálogo, insistindo em aceitá-lo
E aquele que o destrói, agarrando-se às certezas de seus gritos
Porque a humanidade, no fim, não é sobre certezas
Nem mesmo, ouso, sobre verdades.
É sobre pessoas
A razão dos fatos precisa emergir
Mas só terá terreno se antes houver vontade de diálogo
Uma insistente, teimosa e revolucionária vontade de diálogo
segunda-feira, 16 de julho de 2018
Passeio no parque
Rua vazia
Rua cheia
Navego a saudade
Da minha sereia
Parques de cores de sabores
Folhas de sol escondido
Fontes de brilhos partidos
Vejo a vida ser
Sou a vida a ver
A ver cores nas coisas
Haver cores em tudo
Cores que a vida me dá
Amarelo forte
Amar, elo forte!
domingo, 15 de julho de 2018
Impressões
Cara, quando você chegou aqui, vou te contar. Tive certeza de que eu estava fodido. Pensei, acabou a festa! Acabou tudo! É! Porque vi o cara e pensei Xi, um certinho, nerd, vai estudar, uma mala de livros, deu merda. Eu tenho meu som aqui, tô nessa de aprender a ser DJ. Aí, beleza. Você fica lá no seu quarto estudando, eu vim aqui praticar as músicas. Estou tocando tudo baixinho, com receio de incomodar. E aí você desce as escadas com as mãos para cima gritando "Where is the partyyyyy??????". Aí eu percebi que ia ficar tudo bem.
sábado, 14 de julho de 2018
Minha arte
Que artistas que eu sou? Eu? Eu... Eu sou artista nenhum. Eu só olho as coisas que estão nos caminhos em que passo. Eu só olho as coisas que meus olhos encontram. Nada da arte que tem um olhar diferente sobre as coisas, pessoas e lugares. Eu tenho o olhar que tenho, não é diferente nem igual. É meu e só.
sexta-feira, 13 de julho de 2018
Mudar a história
"Se encontrássemos vida em Marte, seria uma completa revolução para a humanidade, isso mudaria a história para sempre!"
Já houve um momento em minha vida em que eu tomaria essa frase como completamente verdadeira. Hoje acho que ela é consideravelmente egocêntrica, mas olho com ceticismo meu próprio desprezo. Não consigo decidir. Explico.
Por um lado, vejo hoje a humanidade como um conjunto enorme de idiotas, de imbecis, de retardados desconectados da história, da produção intelectual, dos pensamentos, do fluxo de criatividade que produziu as maravilhas da humanidade. Não me entenda mal. Compreendo que não é, na enorme maioria das vezes, culpa dessas próprias pessoas. Mas é assim que o mundo é. Imersos em nossas próprias atividades, estamos falhando na tarefa de instruir a próxima geração. E isso vem acontecendo há tempo demais. Assim, passando do caso geral ao problema particular que o manifesta, e se a humanidade descobrisse, por fim, vestígios de vida em marte? O que isso mudaria para o empresário que quer mais lucro para comprar um relógio de quinze mil ao invés do ultrapassado modelo de dez mil? O que mudaria na vida das pessoas que querem ter um som mais forte no carro e nada mais?
Tenha o cuidado de observar que não estou mencionando diretamente aqueles que normalmente são tidos como "os ignorantes". Os pobres coitados sem estudos e sem recursos. Ainda que para fins do presente raciocínio eles pudessem ser também englobados, creio que o extremismo da exclusão que sofrem os isenta de responsabilidades. Trato, isto sim, de pessoas com algum recurso a mais na vida, porque a estas a escolha é possível. Ver um filme idiota ou se aprender alguma coisa nova? Deveria existir um balanço. Um equilíbrio entre o ludismo da vida e o crescimento espiritual. Não, não há. Eu sei que grandes descobertas, como a de eventuais vestígios de vida em Marte, passarão deliberadamente ao largo para uma gigantesca parcela da humanidade.
Por outro lado, admito que possa ser um extremismo meu. E se, no fundo, é assim que é e pronto? O quão difundido precisa ser o progresso intelectual? Chega-se ao futuro inundando o rio do Tempo mas também percorrendo apenas um discreto fio d'água num canto esquecido. É a ideia de nicho ecológico, ainda que distorcida a um outro contexto. Talvez nem seja assim tão importante que o mundo todo compartilhe das grandezas da humanidade. Basta um estado mínimo de não-bestialidade em que se evite a destruição de nossas grandezas pela massa de estúpidos. (Não estamos, também, a salvo dessa última hipótese, vide destruição massiva de arquitetura e arte nas guerras, seja na Segunda Guerra, seja com o que ocorreu na Síria.)
quinta-feira, 12 de julho de 2018
Agora
Um fusca velho na beira de um rio, numa rua com asfalto velho, rachado. Ele está sobre a terra. Aparência de abandonado. A grama da margem já nascendo por em volta das rodas, dos pára-choques. O cheiro podre da água cheia de esgoto invadindo o interior do carro, impregnando as janelas de uma coloração um tanto quanto opaca.
Um móbile feito de bonequinhos de tecido liso, gostoso de passar a mão. Um bebê no berço. Quase dormindo. Olhando hipnotizado para o brinquedo que voa logo acima de seu repouso. As paredes pintadas num levíssimo tom azul claro. Recém pintadas. Tudo com ar de novo. Presentes de parentes e amigos misturam-se com as coisas que os pais compraram. Bonecos, carrinhos, luvinhas, meias, macacões, pacotes de fraldas. E ele fecha os olhos e dorme um sono gostoso. Alheio a tudo isso. E, também por isso, o centro gravitacional de tudo isso.
Duas da madrugada. Sua visão é boa mas agora as coisas da rua lhe parecem meio turvas, desfocadas. É o efeito do vento úmido e gelado da noite em seus olhos enquanto pedala. Gosta de andar de bicicleta. Casas apagadas. Um bar com umas poucas pessoas. Um outro ainda cheio de gente até na calçada e música ao vivo. Uma casa com uma luz acesa. Alguém acordado? Teriam esquecido a luz acesa? Uma conversa? Amor acontecendo? Um doente recebendo cuidados? Uma insônia se manifestando? Um outro mundo... Pedalou e pedalou. Olhando as coisas passarem. Sentido-se ficando para trás também. Parou em frente ao hospital. Uma ambulância chegava. Manobrou rápido na rua, os pneus chegaram a cantar na curva fechada. Pessoas saíram correndo do hospital, auxiliaram a levar uma vítima de um infortúnio qualquer lá para dentro. E então voltou aquele silêncio. Era o hospital. Lá dentro, aquela correria continuava. Mas ali, naquele instante, ele olhou ao redor, e era só a ruía quieta de novo. O vento gelado e úmido por todos os lados. Voltou a pedalar.
Tem essa árvore que é longe de tudo. Que os homens nunca viram. Que fica no meio do nada. E tem nela esse galho com um ninho. E tem nesse ninho ovos chocados. Pequenos filhotes. E vai o pássaro-mãe voar e trazer comida. E vai o pássaro pai afugentando ameaças que aparecem sedentas dos pequenos rebentos. E passam os aviões milhares de metros acima todos os dias levanto pessoas que não sabem de nada disso.
Ajeitou o dedo mindinho. Justo esse, que sempre dá mais trabalho. Soprou. Soltou uma nota longa, suave... Era a nota mais grave de que sua flauta era capaz. E então encontrou ali mais umas cinco ou seis notas. E brincou com tempos. E trocou intensidades. E fez uma música. Em seu quarto. No meio da noite. E ninguém ouviu. E ele não se importou.
quarta-feira, 11 de julho de 2018
Censura
Nos EUA apenas, algo entre meio milhão e um milhão de livros são publicados todos os anos. Sim sim, me refiro a títulos diferentes, livros novos! É uma média de quase um livro novo a cada 300 ou 600 habitantes. Um exagero. Com certeza há muita maravilha perdida aí e há também muito lixo. Não estranha que uma nação tão capaz de produzir lixo de todas as espécies o faça também na produção literária, não é?
E aí eu fico pensando: vou escrever. Vou escrever todos os dias. Em pouco tempo acabo essa ideia. Aquela outra também. Não importa como fique. Terei algo escrito.
E horas depois olho para tudo e só só consigo pensar: quanta porcaria! A quem estou tentando enganar?
terça-feira, 10 de julho de 2018
Massa zero
Você por acaso já acordou e, ao olhar em volta, ao olhar pra você... Ao olhar pela janela... de repente sentiu essa profunda sensação de não ter certeza de quem é? Sua vontade para as coisas do dia não existe, você não a encontra. Seus trabalhos não fazem sentido. Não há um desespero, uma razão profunda para que você saia da cama e vá movimentar-se pelas próximas horas. Pouca diferença faz sair ou não. Nenhuma diferença faz. Seu dinheiro chegará da mesma forma. As pessoas lhe tratarão bem, com apreço, quer você vá quer você fique. Nada mudará no mundo. Seu existir se iguala a um inexistir e você então fica atordoado diante da magnitude transuniversal dessa incontornável insignificância. Já se sentiu assim? Não é nada interessante...
O mundo continua lá fora a despeito total do que sinto aqui dentro. À revelia do que faço, do que deixo de fazer, do que sou, do que não sou.
Li que os físicos detectam no espaço a presença de matéria escura pelo efeito gravitacional que ela exerce à sua volta. Um sujeito sem gravidade social é efetivamente um sujeito sem massa social? Sou um humano verbalizado, letrado, vestido e vacinado, e ainda assim, de certa forma, um apêndice da sociedade.
Não se interessam pelo que penso do petróleo, das crianças doentes, da fome, das doenças, das desigualdades ou das guerras. Eu também, para todos os efeitos mensuráveis, diante de todas as marcas que estou deixando para os arqueólogos de daqui a mil anos, também não me interesso por nada disso.
Já acordou assim algum dia?
segunda-feira, 9 de julho de 2018
Das muralhas
Mentimos o tempo todo. Somos nós em uma intrincada rede de mentiras.
Você vai a uma entrevista de emprego de terno, mas você prefere uma confortável bermuda. Mas precisa ir de terno. Não pode causar uma má impressão ao entrevistador, que estará de terno também. Mesmo sendo que ele acha bermuda mais confortável e adoraria se pudesse estar em algum lugar sem frescura dentro do conforto de sua bermuda preferida.
E a bermuda é só um pequeno exemplo. As redes de mentiras são maiores que a gente. São os tijolos das muralhas que nos isolam. Ficamos dentro dessas fortalezas de mentiras com medo de lidar com as verdades alheias. Mesmo sendo que as verdades alheias são as mesmas que as nossas.
domingo, 8 de julho de 2018
E daí
Só se sabe experimentando.
A mente engana. Conhecer de ouvir falar é conhecer histórias mas é diferente de conhecer as coisas historiadas.
Conhecer não tem palavras. Tem tato, calor, cor e sabor.
Toda opinião possível mora entre amar e odiar.
Eu admito a maior parte do tempo ser alheio às coisas, ou as coisas serem alheias a mim. As coisas e os assuntos. Que mania besta das pessoas essa de inventar uma opinião sobre tudo. Nisso eu opino: acho besta. Deixo o resto do mundo correr em paz e dou atenção às quatro ou cinco coisas que importam na minha vida. O resto não inoportuno e espero que não me deixe em recíproca paz.
Posso até discutir a fome das criancinhas da África, mas depois da sobremesa, por favor. E por que é errado?
É errado e frio deleitar-se num farto churrasco e guloseimosas sobremesas enquanto se pensa na fome mundial, mas não o é nos dias comuns enquanto se pensa em outra coisa? A indiferença é uma falha moral sem crise de consciência, e como paz de consciência é algo muito difícil de se conseguir por outros meios, a indiferença se infiltra em todos os poros sociais como uma anestesia se infiltra nas veias do nervo canceroso.
E é assim que vi o mundo quando saí pra andar de bicicleta à noite. E não achei errado e nem certo. Não voltei pra casa nem mais triste nem menos feliz. Voltei só mais cansado de pedalar, tomei um gole fresco d'água. Só tinha visto que o mundo é assim. Só, tinha visto que o mundo é assim.
sábado, 7 de julho de 2018
sexta-feira, 6 de julho de 2018
Exorcismo
Sai, saia daqui! Saia de dentro de mim!
Preciso tirar esse demônio de mim. Esses demônios todos. Essa confraria do mal. Esse inferno inteiro do meu íntimo preciso tirar agora imediatamente.
E esse demônio sou eu.
Preciso deixar de ser outro acada pequeno depois.
Preciso deixar de lembrar das coisas erradas.
Preciso deixar de precisar dessas necessidades que corroem.
Desejos diferentes, sonhos, sabores. Meu paladar muda a toda hora. Já experimentou isso? Já leu Shakespeare e Paulo Coelho na meia noite e ficou em dúvida sobre quem seria genial? Já ouviu a suíte para cellos de vivaldi e depois arrematou com um bom e adequado Zezé di Camargo & Luciano? Nem eu cheguei a tanto, mas hipérboles me divertem num sarcasmo de sorriso largo.
Que nojo de mim. Que podre. Quero o casamento eterno e apaixonado. Quero a putaria porca e imunda dos relacionamentos despurodados de segundos.
Quero todas as vidas. E nenhuma dessas é minha vida.
Preciso tirar esse demônio de mim.
E depois experimentar demônios diferentes. Porque é incorrigível. Porque não vou achar graça em corrigir.
quinta-feira, 5 de julho de 2018
Finalidades
Para que serve a poesia? Para que serve um quadro? Para que serve uma roupa mais bonita? Para que serve uma frase bem escrita? Uma piada?
A utilidade tem esse caráter transitório de conectar finalidades. E, sendo transitórias, as finalidades assim apresentadas não são finais. É assim, por definição lógica, que concluímos que o grande objetivo, aquele realmente final, aquilo que merece por completo a descrição de finalidade, não pode servir para nada. A inutilidade é a grande finalidade ou, dito de outro modo, as verdadeiras finalidades são, necessariamente, inúteis. O problema aqui é o sentido negativo que nossa sociedade altamente instrumentalizada associa à palavra inútil. A inutilidade da verdadeira finalidade não é inútil no mal sentido da palavra, no sentido de algo desprezível ou de qualidade inferior. É inútil no sentido técnico de não depender de uma utilidade posterior para justificá-la. Apóia-se não na alegação de emprego futuro mas sim em algo mais puro: a vontade presente de sua existência. Esse é o conector final. Alguém que diga "porque eu quis", "porque eu gosto".
quarta-feira, 4 de julho de 2018
Choices
Ele gostava de aviões. Ele sofria na escola. Ele não entendia o mundo, mas tinha curiosidades mil a respeito. Foi fazer Ciências Sociais, e amava o curso. Morreu de medo de ser um pobre no futuro. Foi fazer Engenharia. Caiu em depressão profunda lá pelo terceiro ano. Quanto mais se aproximava de seu futuro, menos sabia o que querer dele. Gostava de mudanças. Queria fugir. Decidiu-se virar jornalista e viajar pelo Brasil. Aceitou uma vaga em uma empresa de engenharia em Vila Velha, Espírito Santo. Pelo fim da tarde dava-se aos bares de jazz e companhias falantes. Voltou a voar, no aeroclube local. Comprou uma moto e uma máquina fotográfica. Aos finais de semana, ou ia voar, ou sumia com sua moto para cidades próximas, onde buscava pessoas diferentes para fotografar, filmar, escrever. Ele pensava sobre o mundo, sobre toda a história, sobre as pessoas... E no meio tempo, vivia seu cotidiano.
terça-feira, 3 de julho de 2018
Cruz credo
Essa coisa cristã de carregar a cruz para tudo o que é lado, cultuá-la. . . É um costume doentio, asqueroso. É um instrumento de tortura, de morte. Um revólver não é tão cruel. Mata e pronto. A cruz é feita para produzir uma morte sofrida. Como pode um símbolo desses se tornar um símbolo religioso que as pessoas buscam associar às ideias de piedade, bondade, compaixão e graça divina? Eu me divido entre achar a humanidade esquizofrênica, psicopática ou, simplesmente, burra pra caramba.
segunda-feira, 2 de julho de 2018
Remoendo
Por que eu me fecho? Começo a guardar um mundo dentro de mim, pensamentos e considerações, coisas que acho não serem necessariamente corretas, aceitáveis... Jogo tanta, tanta coisa pra baixo do tapete... Sentimentos e sonhos, xingamentos e posturas... As coisas vão pra baixo do tapete. Como se eu acreditasse que somos o que parecemos ser ao mesmo tempo em que mantemos uma vida interior independente... Quando consigo sucesso em esconder meus grandes segredos, sinto como se o mundo estivesse aceitando de bom grado a oportunidade de me tornar um pouco menos eu mesmo. E dói. E é estranho. Não é certo, ao menos...
O que faz aquele para quem a vida é claustrofóbica? Eu preciso de coisas novas sempre, é um fluxo constante, que não pode cessar, assim como o alimento de proteínas e vitaminas e água... um fluxo de gente que nunca vi antes, de vozes diferentes, de histórias que os ensinamentos sobre o mundo nem imaginariam possíveis.
domingo, 1 de julho de 2018
Condomínio fechado
Mordidas nas suas costas, nos seus ombros. Puxar o seu cabelo. Tenho essas sensações fortes ainda. Mas você já foi. Agora um som estranho vem de longe. Uma festa? Ou alguém solitário colocando uma música animada no último volume? Acho que é meu vizinho. O party-guy. Será que ele sabe? Será que está celebrando minha alegria? Fico com essa sensação de que o mundo todo sabe. Fico com essa sensação de que o mundo todo celebra junto com meus pensamentos.
sábado, 30 de junho de 2018
Pai
Eu tenho tantas mágoas que eu não tinha antes. Tantas coisas que me perseguem em meus silêncios que tempos atrás eram vultos distantes e abstratos. Como foi que isso aconteceu? Certas reviravoltas dão-se lentamente, sem estardalhaços, e a gente nem percebe. E a gente nem se protege. Tenho raiva de pessoas que eu deveria amar. E deixo me corroer essa Consciência toda que morre de raiva por eu ter raiva. E como se arruma isso? Eu não sei... Ninguém sabe. Alguém sabe? Alguém me conta? Eu tenho escuros que antes eram claros. E meus silêncios não pensam as mesmas coisas à toa, inocentes. Tantos pensamentos ácidos que ulcerizam minha solidão. Estou mal. As pessoas ficam mal às vezes, é normal, não é? Estou mal...
Meu pai aparece depois de meses distantes, depois de um infinito de tempo sem saber da minha vida, depois de me deixar mergulhado na casa cheia de problemas da qual ele fugiu em busca de conforto. E parece querer saber da minha vida. Da minha vida amorosa, até...
- E o coraçãozinho, como vai?
E o seu, hein pai? Como vai O SEU? Está feliz por viver ao lado de quem não ama, longe dos filhos, e sem a mínima coragem de encarar um segundo divórcio? Está feliz por se entregar à crença de que já é velho e deixar sua vida parar? Está feliz por jogar todos seus sonhos na gaveta, trancá-la e jogar a chave fora? Velho com sessenta e um anos... Conheci tanta gente mais velha que era mais nova... Quero ficar longe do meu pai antes que eu aprenda algo desse mal exemplo. Será que nesse meu mal humor todo já não estou sucumbindo um pouco também?
Será que minha sede de caos tem a ver com tudo isso? Será que meu desespero por fugir de uma rotina previsível, meu amor a qualquer coisa que apareça de última hora e não tenha razão de ser, tenha a ver com essa aversão ao curso normal das coisas? Quem sabe eu não engano a vida, ela pensa que me leva pra lá e eu corro pra cá, às escondidas quase... Quem sabe?
É possível enganar a vida?
sexta-feira, 29 de junho de 2018
Roubos
Fizemos o exame de DNA. Não, o filho não era meu. É claro que eu sabia que não era meu. Eu nunca tinha dormido com a Clara. Mas como convencer minha mulher disso? Como convencer os amigos dela? Os meus amigos? Os meus parentes? Os boatos se espalharam como fogo. Como uma gripe. Como uma peste. Agora o exame de DNA não serve para nada. Percebo que não adianta de nada. Serve apenas para a justiça. Apenas para o processo do divórcio. Por mim, ela que enfiasse a casa toda no rabo já que quer tanto assim. Não é apenas a casa que construí em toda a minha vida. Aqui, nesta cidade, eu tinha os amigos que havia construído durante a vida toda. Eu tinha meus parentes a quem busquei dar atenção e tratar bem e ajudar, durante toda a vida. Aqui eu tinha construído uma história. Uma história em torno de mim. Isso ela destruiu também. Arrancou de mim. O exame de DNA, com inutilidade patética de qualquer verdade, não conseguiu me devolver nada.
quinta-feira, 28 de junho de 2018
Virtual
Ele endoidou. Pirou. Não queria mais a própria vida. Foi na internet e fez outra. Hoje em dia essas coisas são quase de graça. Surpresa: o outro eu era mais querido que ele próprio, vejam só! Eis que se revelam por meio de ironias saborosas essas verdades fundamentais: nossas espontaneidades cativam muito mais que nossas vergonhas. Assustado, deletou-se de si.
quarta-feira, 27 de junho de 2018
Das compreensões fundamentais
O interesse que temos nos outros é um egoísmo. Sempre um egoísmo. Esse desespero para que as maneiras, gostos e julgamentos alheios se adequem aos nossos. Essa carência que vê no desvio da atenção alheia um crime, uma falta. É um grande aprendizado deixar de lado esse egoísmo. Eu, pessoalmente, tenho oscilado entre os dias em que falho miseravelmente, dias em que percebo a grande paz que essa evolução espiritual pode trazer e percebo a falta que ela faz ao mundo e, finalmente, dias em que compreendo tratar-se apenas de uma escolha minha enquanto os outros fazem suas melhores escolhas, cada um à sua maneira, cada um em sua experiência de vida.
terça-feira, 26 de junho de 2018
Pseudo eu
Mas é que ele não se importava com a namorada! Porque ele, em um certo sentido, não tinha namorada... Era uma outra existência... Não se importava com a faculdade, com a vida, com a morte, com o dinheiro ou com a fome. Ele não tossia. Ele não ia ao banheiro. Ele não queimava no Sol nem perdia a hora. Ele existia só na hora de escrever. Materializava-se e depois se diluía no mundo, fundindo-se com imaginações alheias e sons diversos.
E ele não tinha olhar introspectivo, porque dada sua quase completa não existência, só conseguia olhar pra fora... Mas é místico que, justamente por essa imaterialidade, transpunha muitos outros seres, olhando-os de dentro. Era assim que se munia de uma espécie de introspecção do alheio. Era assim que sabia dos medos que surgiam mudando o canto do sorriso dela na hora de um tchau. Era assim que sentia a indiferença do chefe com relação à importância do trabalho. O cansaço da vida. O despropósito do dinheiro. Era assim que sentia as músicas dentro das pessoas, independentemente das caras ou declarações, mas vendo as próprias vísceras se comoverem com os sons... Não há segredos.
Não, não há segredos.
Mas, para quem não existe por completo, também não há verdades, o que o colocava em um ponto de vista curioso.
A existência é sempre assim paradoxal. E sabe-se agora ser também de uma ironia profunda: vê sem restrições as verdades justamente aquele que não termina de existir, aquele que não pertence a essa realidade.
segunda-feira, 25 de junho de 2018
Marcas
Eu perdi um filho. Tem seis anos já, sete talvez. Eu descobri que estava grávida. Fiquei desesperada. Mas o tempo foi passando e fui me acostumando com a ideia. Não, não tirei. Perdi naturalmente. Passei mal e fiquei uma semana no hospital. A minha mãe não foi me visitar porque todo mundo no hospital conhecia ela. Cidade pequena, sabe? Ela não foi me ver nem mesmo um dia.
domingo, 24 de junho de 2018
Corrente
Como se machuca alguém que não fez nada de errado para receber alguma espécie de retaliação?
- Superamiga, conta pra mim... quando você terminou seu namoro, como foi? Ele era um cara tão perfeito, tão apaixonado por você, tão disposto a tudo e tão certinho... E você simplesmente não o amava... De onde tirou coragem para isso? Como superou isso?
Há entretanto pessoas que conseguem essas coisas com a maior facilidade.
- Me conta, como ela pôde fazer isso? A gente estava tão bem... eu podia jurar que dessa vez tinha acertado... Éramos um casal perfeito, perfeito! E aí, ela aparece aqui em casa... e termina!
E nunca poderemos dar a devida dimensão da verdade...
- Desculpe as brincadeiras, mas é que você parece estar bem... Ele é que ficou meio arrasado.
- Hahahaha, eu tô ótima! Você cuida dele pra mim?
Sem comentários...
Eu é que não tenho dessas forças, que não conheço esses meus meandros. Eu fico preso em minhas correntes. Eu sou levado por marés. E isso não é bom. Não para mim. E para quem seria?
sábado, 23 de junho de 2018
Cesta básica
Estávamos na mesa mais próxima à calçada, logo na entrada da pizzaria. O Diego falava mal de comunistas e esquerdistas. Essa gente que vive de mortadela doada em manifestações com dinheiro de corrupção. Essa gente que quer vida fácil sem ter que fazer nada. O Rafa concordava com tudo. E adicionava eloquentemente a necessidade de se meter bala na fuça dos vagabundos logo. Bolsonaro neles!
Foi então que ele se aproximou. Sujo, caminhando com pés arrastados. Parou à extremidade da mesa dando-se uns segundos a nos olhar antes de dizer qualquer coisa. Aquela atitude de cachorro acuado certo de que vai ser chutado e apedrejado a todo instante. Tinha em mãos uns papéis que pareciam mastigados e cuspidos de tão torturados que estavam pelas circunstâncias.
"Boa noite. Desculpe atrapalhar a janta de vocês. Eu sou trabalhador. Trabalhei a vida toda. Mas estou sem trabalho agora. Procuro, procuro todo dia. E não estou achando. Será que não poderiam me ajudar a completar uma cesta básica?"
O Rafa tomou a palavra.
"O senhor trabalha com o que?"
"De tudo um pouco. Ajudo em obra. Carrego as coisa. Corto madeira. Subo nos andaime. Tudo. Sou ajudante pro que precisá. Mas não tá tendo trabalho não. As criança tão com fome."
"Quantos filhos o senhor tem?"
"Tenho cinco. Tem as pequetitica, tadinha. A mãe tá lá cuidando. Se não fossem tão pequenas, ela vinha mais eu buscar alguma ajuda também. Desculpe atrapalhar a janta de vocês."
O Rafa prosseguiu.
"Olha, não tenho dinheiro aqui não. A gente só tem cartão. Dinheiro pra dar, não tenho. Então, posso ir no mercado e commprar alguma comida pra você. Pode ser?"
Os olhos daquela magreza caminhante se dilataram todos, indisfarçados: "Pode, nossa! Pode!"
Eu não acreditava no que estava vendo. O que deu no Rafa? Fiquei tocado. Orgulhoso. Senti-me culpado pelos inúmeros julgamentos negativos que eu fazia com base no discurso político deles.
Não havia mercado ali próximo. Dissemos para o Diego aguardar. Fomos ao carro. Acho que o tal pedinte nunca havia entrado num carro.
"Nossa, carro! Vocês tem carro! Puxa, gente? Eu não imaginava. A gente vai de carro mesmo? Eu vou também! Nossa, como é cheiroso, né? Tem cheiro de coisa nova, de coisa limpa! É muito chique!"
Era um Fiat Uno alugado. Mas nos sentíamos proprietários de uma limosine dourada graças à admiração daquele pobre homem.
Compramos a cesta básica. Demos a ele. Nos despedimos em frente ao mercado.
Quando entramos no carro para voltarmos ao restaurante, o Rafa disparou:
"Filho da puta, né?! Achei que iria negar a comida! Da última vez que me vieram com esse papinho de filhos com fome, ofereci comida e o cara não quis. Agora esse aí aceitou, a casa caiu, né? Tive que vir comprar, carái!"
sexta-feira, 22 de junho de 2018
Estudante morto
Corta o coração e gera desespero ver uma notícia como essa aqui.
A sociedade brasileira vai ignorar, eu sei que vai. Uns comentários aqui e ali. Outros vão argumentar que é um efeito colateral do combate ao crime. Como se o crime pudesse ser combatido do mesmo modo no Morumbi ou no Leblon. A mentalidade do Senhor de Engenho não aprendeu nada com o fim da escravidão. Pelo contrário, ela contaminou o resto da população brasileira que acredita ser esse jeito filho da puta de pensar o único jeito de “ser alguém” na vida. A essas pessoas que vão tratar essa morte como um “efeito colateral” do combate ao crime e acham que preocupação com a natureza dos efeitos colaterais não é lá algo tão importante assim, gostaria muito que tratassem a próxima dor de cabeça cortando-a para fora do pescoço. Vai resolver o problema e com nada além de um pequeno efeito colateral.
Último ato
O que esperava? Que eu retornasse uma carta cheia de saudades, contando histórias, desesperado de curiosidades sobre sua vida? Não não, sinto muito. Mas espanta-me que não lhe seja compreensível eu querer tal distância. Retornei uma resposta breve e educada e, reconheço, bem seca e fria, à sua carta... E você se revolta. Por que a revolta? Por que o espanto? Eu vi muito bem, no pouco tempo em que estivemos juntos, que não podemos nos misturar de forma salutar. Claro que tivemos momentos bons. Mas e daí? A eles somavam-se tantas coisas ruins, tantas pequenas crises, tantos micro-infernos... Que no fim das contas os humores extremos se balanceavam e davam aos meus dias um gosto amargo de algo pastoso e indigesto. Não tenho estômago para crises inventadas. Não tolerava suas pessimistas invasões aos meus silêncios, querendo saber em detalhes o que se passava comigo em áreas sobre as quais eu mesmo deliberava o silêncio; não por ímpeto de segredar nada, mas pelo direito que tenho de deixar decantar dentro de mim meus assuntos antes de torná-los públicos a quem quer que seja. Não acredito que nem mesmo a mais profunda e forte intimidade possa violar isso. Nem o mais asfixiante beijo está autorizado a esfaquear o peito e roubar ar diretamente dos pulmões... Percebe como se passa de algo intenso para algo monstruoso?
E, sim, insisto... suas invasões eram pessimistas... Em assuntos aos quais eu me dava ao silêncio, vinha sempre você com suas certezas derrotadas, evidenciando nas minhas quietudes todas as provas finais de sentimentos corrosivos a nós dois. Ciúme? Insegurança? Desespero? Ansiedade? Posso muito bem aceitar que essas tempestades interiores estivessem por trás de todas suas suspeitas infundadas. Mas, ao mesmo tempo, não posso aceitar a idéia de viver tão perto de alguém que se vitima tão facilmente às próprias emoções. Em meus anseios mais sóbrios, não poderia exigir de você algo extraordinário, uma mulher extra-mundana de alguma forma, por mais exótica que tenha sido sua aparição na minha vida. E ainda assim me era impossível aceitar esses momentos em que se mostrava menor que a si mesma.
Não pense, por tudo isso, lhe faço mal juízo. Ter sido uma catástrofe comigo de modo algum implica que é assim também aos outros. As relações humanas nunca são monólogos sem público. São espetáculos completos cheios de improviso. Nós dois, misturados, improvisamos mal. E num momento ajuizado percebi que o espetáculo que ensaiávamos não deveria jamais ir a cartaz. Estava ruim. Toda grande atriz tem lá seus maus momentos. Sucesso nas próximas performances. Adeus.
quinta-feira, 21 de junho de 2018
Irmão
Eu não entendo. Meu irmão partiu. Foi um dia só aqui, não tivemos tanto tempo de conversar. Quando ele volta? Eu achei que ele ficaria mais. Mas essa maluquice de confusão no país, ele não conseguia viajar pra cá. Trouxe as coisas dele. Trouxe os livros. Livros e livros e livros. E deixou o carro de volta também. Disse para eu vender mas não deu prazo nenhum. É só isso o que ele tem. Eu não entendo ele. Cinco estantes cheias de livros. A gente tem quase a mesma idade. Eu tenho minha família, minha empresa, minhas filhas. Acho que é por isso que ele fala tanta besteira, é esquerdista, quer o desarmamento. Ele não tem responsabilidades. Fica por aí viajando o mundo. Estudando, estudando, estudando. De que adianta estudar tanto e não fazer nada? Eu perguntei para a mamãe quando ele voltaria. Ela não soube me responder. Dois meses? Dois anos? Nunca?
Eu lembro quando a gente enchia a casa velha lá com os amigos. Ele tocava bateria. A gente falava muita besteira. A gente fazia paródias. De tudo. Com as músicas do Ramones, da Xuxa, o que fosse. O importante era dar risada. A gente podia tocar Van Hallen ou Mamonas Assassinas. Mas a gente ria. Eu sinto falta de rir. Sinto falta de rir daquele jeito. Achei que ele fosse ficar mais um pouco e talvez a gente fosse conversar de novo. Talvez a gente fosse rir um pouco.
As meninas estão grandes já. Eu queria que ele tivesse vindo mais pra cá. Queria que ele tivesse crescido junto com elas. Mas sempre foi difícil viajar. O dinheiro, o tempo. Os trabalhos que ele arrumava longe. Em outras cidades, em outros países. Queria que ele tivesse rido com as minhas filhas como riu comigo quando a gente era mais novo. Quando ele volta?
quarta-feira, 20 de junho de 2018
Beijo
Ah, querida! Quero você livre, quero você livre... E, livre como lhe quero, lhe deixarei, e deixei que construa seus infernos todos. E aí, quem sabe assim num dia, não descobre suas mãos e palavras também capazes de criar paraísos? Porque lá fora no mundo tudo é os dois: o certo e o errado, o bom e o ruim. E mais: e dentro da gente também! De mim, quis sempre investigar as dúvidas e os receios. Deixei que trouxesse todos à tona. Apaixonou-se pelo melhor de mim e feriu-se desenterrando meu pior. Por que perguntar pelas dúvidas depois dos dias de silêncio ao invés de comemorar a quebra da distância? Por quê? Eu não sou nem quero ser o último porto seguro do acolhimento incondicional.
Desculpe, talvez eu até pudesse concordar que há coisas no mundo que não são como deveriam ser se, por princípio, eu já não pensasse que a natureza é a medida final e que errado é substituí-la por imaginações idealísticas. É assim que funcionamos, eu você e todos. É aí que nossa assimetria nasceu, e se foi contra você, poderia muito bem ter sido contra mim. Acasos... A que me refiro? A esta mecânica no afeto: se morres por mim, morres em mim.
terça-feira, 19 de junho de 2018
A compra
Francesco estava em sua banqueta, cigarro na boca. Chicoteava os funcionários com o olhar. Com os resmungos. Três jovens sem camisa, movendo as lenhas entre as pilhas de um lado a outro daquela sujeira, entre as serras barulhentas, por entre a atmosfera densa de farpas irrespiráveis. Amadeu havia chegado. Procurava os papéis no carro. O negócio seria fechado e a vida de todos ali se alteraria drasticamente ao gosto de uns respingos de tinta num papel idiota. Era a marcha do mundo. Os gordos, resmungões e preguiçosos teriam seus novos confortos. E aos jovens dali o trabalho iria se avolumar, pesando-lhes nos braços e nas tábuas eventualmente caídas nos pés. Tinham é que dar graças, havia trabalho!
segunda-feira, 18 de junho de 2018
Mecanismos
Entendo que muitas pessoas sejam beneficiadas pelos trilhos firmes das instituições. Fazem um curso de línguas, e tempos depois lá estão, falantes, diplomatas, certificadas, treinadas e confiantes de si. Querem viver uma determinada coisa, correm atrás das instituições que as sustentam. Querem velejar, procuram os cursos de velas, as pessoas que o fazem, inscrevem-se, arranjam carteirinhas. Eu não funciono assim. Minha aberração não chega à agudeza de impedir que eu seja reconhecido como um membro aceitável dessa sociedade, mas essa assimilação desapercebida deve-se mais aos meus esforços de camuflagem que a uma natural propensão à adesão. Dormia nas aulas de inglês, e só finalmente aprendi esse peculiar idioma quando me motivei a ler coisas por aí. Aprendi muita matemática nos orgasmos de minha curiosidade e muito pouca nos tédios das aulas. Não estou a defender que esta é a postura mais correta. Longe disso. Estou apenas constatando que é a minha realidade. E tão mais longe parecem chegar as pessoas que facilmente se dão à vida institucionalizada... Esta consiste, principalmente, em aceitar de bom grado uma cisão profunda entre os impulsos emocionais mais selvagens que brotam naturalmente dentro de si e as ações das quais o corpo e a mente tomam partido. O homem institucionalizado é muito mais capaz de estudar aulas chatas, de fazer trabalhos maçantes, de deixar-se de lado momentaneamente, ainda que por muitos e muitos momentos consecutivos. Pode soar horrível, dizendo assim, mas não se deve confiar numa descrição feita justamente por aquele outsider que inveja muitas coisas de um mundo do qual não faz parte plenamente.
domingo, 17 de junho de 2018
Laços
Do livro "A dor de amar":
"Entretanto, todo o meu saber sobre a dor - naquela época, eu já estava escrevendo este livro - não me protegeu do impacto violento que recebi ao acolher a minha paciente logo depois do acidente. Naquele momento, o nosso laço se reduziu a podermos ser fracos juntos"
Aqui trata-se de uma relação psicólogo-paciente, mas poderia ser qualquer outra. Por fim, o que resta, muitas vezes, é a permanência da palavra "juntos", ainda que outras coisas se intrometam. Bravos juntos. Revoltados juntos. Tristes juntos. Quietos juntos. Sozinhos juntos.
Lembro de uma conversa que tive com minha primeira namorada. Ela era musicista, amiga da minha irmã, e eu a conheci no casamento do meu irmão. Eu estava tomado por uma felicidade extrema dessas que acompanham as primeiras experiências. Essas histórias que, sem referências, se enchem de absolutos. Com a vista turvada por tantos exageros, não percebi o óbvio. Ela acabara de sair de uma relação longa. Seis anos. Ainda tão nova, e... seis anos! Quando ela me conheceu, aceitou o relacionamento como forma de esquecer a relação anterior. Mas foi tudo muito rápido e alguns meses depois ela resolveu voltar com o antigo namorado. Foi então que eu soube de tudo. Conversamos por um bom tempo. Eu com aquela esperança idiota de encontrar algum caminho para salvar as coisas. Ou com aquele sadismo estúpido insistindo em mais detalhes como se os revelados já não me machucassem o suficiente. E aí ela me explicou como era estar com ele. "Com ele é leve eu passar o dia. Podemos ficar juntos o dia inteiro na casa, como se eu estivesse sozinha, entende? Sozinha, mas com ele aqui." Sozinhos juntos.
sábado, 16 de junho de 2018
Todos os dias
Não gosto da invasão de minhas vontades, gosto da paz do meu silêncio ou de incensura nos meus barulhos... Quando sou? Sou nos silêncios impostos dos convívios? Ou finalmente sou apenas na insignificância obscura do completo isolamento com toda a liberdade que lhe é peculiar? Quando não sabem de mim, sinto ser o que me imagino. Quando observam todos de perto, sinto ser apenas em segredo, sem que me saibam. Sem que seja de verdade. Misturado aos outros, facilmente se é mais reflexo que luz. Ou talvez seja só impressão. Talvez todos brilhem e eu apenas não goste da ideia de ser também só mais um. E o que seria mais humano?
sexta-feira, 15 de junho de 2018
De repente vou dormir
Agora chega de repente
Pois já é hora de dormir
Não adianta implorar
E nem venha insistir
A você deixo um boa noite
E faço uma oração
Que nada de mal lhe açoite
E que Deus lhe dê proteção!
Inquieto
Quem é você? Quem é você, que eu vejo de longe, que eu imagino? Quem é você que eu leio à noite em trechos jogados? Quem é você que aparece e some? Dona de desejos alegres, vivos, um sorriso inspirador. Quem é você que não está quando eu apareço? Que quando a porta se abre, não está? Que quando não procuro escreve dizendo "estava lá!". Vou te dar um abraço apertado pelos últimos dezesseis bilhões de anos em que a gente não se fala... e, quem sabe, um beijo...
quarta-feira, 13 de junho de 2018
O Romeno
Eu vim pra cá há oito anos. Vim porque ofereceram trabalho. Trabalhei pra chinês, sabe? Cara, chinês difícil! Chinês, difícil! Trabalha, trabalha, trabalha. Ganha nada. E dinheiro? Dinheiro no Brasil não vale. Ganha mil, mas vive como? Vem aluguel, aí tem que ter um celular se não fica sem trabalho, aí pega ônibus e pum, nem sobra pra comer! Tá vendo? É assim! Eu fiz tudo, tudo um pouco. Trabalhei na construção. Mas restaurante, melhor. Faz comida e come também. Pelo menos não passa fome enquanto chinês não paga. E chinês pra pagar, difícil! Falava: não tem carteira, não tem documento, não pago! E pronto! Fazia trabalhar mais, mais mais, falando que se não, não paga eu! Só fazia isso, só fazia isso! Minha mãe veio aqui uma vez. Tem dois anos já. Foi assaltada. Com arma na cara dela. Revólver. Malandro, sabe? Filho da puta. Ainda hoje, no Romênia ela fala que faz terapia. Não volta pra cá nem a pau. Eu tô feliz que vou conseguir voltar. Juntei meu dinheiro. Foi difícil, porque muito calote teve. Trabalho com documento, não acha. Trabalho sem documento, não sobra dinheiro. Difícil. Todo mundo louco aqui. Era melhor antes. Quando eu cheguei, era melhor. Todo mundo fala mal do Lula mas era melhor antes. As pessoas parecem não perceber! São meio doidos, os brasileiros, né? Olha, calor bom, comida boa, mulher boa. Mas eu não vou ficar com saudades não. Estou desesperado por voltar. Fui assaltado também. No praça da Sé, porque tinha relógio que parecia caro. Porcaria do chinês, não valia nada! Mas pivete veio com pedra no meu cara. Quebrou os dentes todos. Fiquei meses com pontos na boca. Olha aqui, as fotos. Esse aqui, gordinho, era eu. Perdeu quinze quilos até boca melhorar. Filho da puta do pivete. Aqui é um pouco ilusão. Coisas boas misturadas com muita coisa ruim, aí não vale a pena. Caipirinha é que é bom! Mas vou fazer lá. Aprendi a fazer, muito boa! Chinês falava que não me mandava embora porque meu caipirinha era boa! Mas no Romênia vou ter que fazer com vodka, né? Lá não acha desse Corotinho...
terça-feira, 12 de junho de 2018
Teatro
Uma calça se transforma em um cachecol. Em um laço. Em uma cerca. Em uma serpente ameaçadora.
Um pote plástico transmuta-se num tambor. Numa bomba. Num tijolo. Num livro.
Um coador plástico de repente é uma lupa, uma válvula, uma máscara.
E nos ensaios, os mundos faz de conta faziam-se reais. E cada hora ali provava que os sonhos mais impossíveis aconteciam, diante dos olhos de todos, e as pessoas viam, viviam, e as estrelas, de inveja, tremiam.
segunda-feira, 11 de junho de 2018
Repensando tudo um pouco
Algum dia, em breve ou nem tanto, será o último dia do meu maior projeto de todos: a própria vida. E sei que será a mesma coisa.
Livros não lidos. Músicas por ouvir. Pessoas com quem não falei. Lugares aonde não fui.
Não sei se terei tempo de repensar tudo isso nos derradeiros minutos ou se terei uma morte rápida, repentina, dessas que nos roubam, além da vida que viria, a apreciação da vida que tivemos, ou se terei o tempo de olhar para trás.
Se tiver, será uma grande agonia, eu sei. Mas, ainda assim, não consigo imaginar o terror de não sentir essa sede.
Essa certeza de que a vida tem muito mais, mas muito mais mesmo, do que consigo abraçar, é ao mesmo tempo uma agonia e um grande motivador. Me deixa inquieto. Me faz querer acelerar ritmos e com frequência sou obrigado a, conscientemente, pisar no freio.
Queria conversar com todas as pessoas.
Queria visitar todos os lugares.
Queria ler todos os livros.
Queria aprender todas as coisas.
Queria ouvir todas as músicas.
Queria saber de todas as histórias.
Assim usei meu tempo aqui. Se não visitei a todos que poderia ter visitado, é porque passei parte do tempo aprendendo coisas. Se não aprendi tudo o que poderia ter sido aprendido, é porque passei parte do tempo ouvindo músicas. Se não ouvi todas as músicas, é por que passei parte do tempo caminhando por aí.
E agora sigo. Hora de caminhar mais longe. Hora de descobrir novas inquietações.
domingo, 10 de junho de 2018
Ri
Ah amada, minha amada!
Quantas outras mulheres preciso amar pra diluir esse amor que lhe tenho?
A quantas preciso ser gentil?
Quantas terei que presentear?
Quantas terei que surpreender com elogios?
Esse amor por você, some um dia?
Desaparece, como tem que ser?
Você é tão feliz por ter achado em mim um amigo desinteressado
Um reduto de acolhimento sem maiores interesses
E me dá tanto trabalho não te desapontar
sábado, 9 de junho de 2018
Idiota
Fui ler aquelas conversas antigas.
Porque hoje as conversas ficam gravadas. Congeladas no tempo.
Vejo que eu estava com o peito rasgado. Não respondi nada dos absurdos insensíveis que lhe diria agora.
"Você estava me cobrando."
Eu estava tentando ser um ser humano normal! É claro que eu queria que a minha namorada quisesse algum carinho, um mínimo. Claro que queria que ela sentisse vontade de me fazer feliz. Isso nunca existiu.
Ela foi a pessoa mais egoísta que já conheci.
Eu me deixei enganar por conta dessa conversinha de "ela é uma pessoa fechada". Acreditei, meses e meses, que ela fosse uma pessoa fechada. Fiz os maiores malabarismos de interpretação para acreditar que ela sentia realmente algo por mim. Mas não... Ela não é uma pessoa fechada. É só uma pessoa sem nada dentro além de sentimento por si mesma. Fui, mais uma vez, um idiota ao inventar explicações para contrariar meus instintos.
quinta-feira, 7 de junho de 2018
Contas
A crise mundial, ah, a crise mundial!
Quem tinha muitos bilhões ficou agora com apenas poucos bilhões.
E a crise que existia já antes dessa crise?
Crise de fome, de saúde, de educação?
Crise de gente que nasceu longe da vida e está fadado a continuar ali, do lado de fora?
Não importa.
Quem se importa?
Você se importa?
Pensa que se importa?
Deixaria de fazer uma viagem de fim de ano para dar comida a quem está prestes a morrer de fome?
Passaria uma semana levando marmita ao serviço para juntar o dinheiro dos caros fast-foods e doá-lo?
Todos se importam, não é?
Todos dizem que se importam.
Coisa que eu não sabia: importar-se é um ato contemplativo.
terça-feira, 22 de maio de 2018
Dores
Os mares se alargaram. As terras se tornaram grudentas, lamacentas. Os milhares de quilômetros se alargaram em milhões. Intransponíveis anos-luz lhe raptando a uma escura lonjura. E eu aqui desesperado para apaziguar sua dor. Uma dor injusta. Imaginar suas lágrimas drenou meu olhar. Senti raiva dos horizontes. Senti raiva de não te abraçar. Senti ódio não da injustiça do mundo - mas de sua profunda indiferença. Não importa o quanto eu compreenda essa frieza da natureza, jamais vou me adaptar. Ou, melhor dizendo... Posso sim me adaptar em tudo o que se refere a mim. Mas é impossível aprender a aceitar essa indiferença quando ela recai injustamente sobre as pessoas que amo. Queria reclamar a todo a todos os deuses o quão descabida é essa dor que lhe foi despencada. Mas o universo inteiro, a despeito dos meus gritos, olha adiante.
segunda-feira, 21 de maio de 2018
Foi assim
- Finalmente eu fui conhece-la!
- É mesmo? Não acredito! E aí?
- Ela é linda, linda! E tão, tão... tão interessante!
- E o que aconteceu, me conta!
- Então, conversamos pouco, eu estava tímido, sabe, sei lá, leve, por um lado, e tímido por outro; duas coisas que deixam a gente quieto.
- Ué, então não conversaram muito?
- Na verdade não, porque ela tinha que trabalhar. Mas rascunhamos algumas perguntas sobre as nossas vidas, nos olhamos...
- E depois?
- Depois os anos se passaram, cada um vivendo sua vida no seu canto. Depois um morreu. Depois morreu o outro.
domingo, 20 de maio de 2018
GPS
"Você chegou ao seu destino."
Toda vez que o GPS fala comigo desse jeito eu fico preocupado.
"Então era esse o meu destino? Essa padaria sem graça? A casa do Thiago? Essa agência do Banco do Brasil?"
É uma piada que outros fazem também. Um amigo diz que jamais procura por um cemitério no GPS. Chega aos velórios pedindo informação à moda antiga ou colocando referências próximas. "Já pensou? Estacionar em frente a um monte de tumbas e o GPS dizer que é o meu destino? Prefiro colocar alguma referência próxima. Se for um extra, tanto melhor. Todo mundo chegando pra tumba e eu levando um Extra!"
Rimos.
Mas, piadas à parte, há duas observações mais sérias a fazer sobre essa corriqueira frase dos pilotos eletrônicos.
Primeiro: é a máquina falando ao homem. É ela que o trouxe ali. E é ela que determinou que o objetivo final havia sido alcançado. O pedido inicial do endereço foi inserido por um humano. Detalhe. Logo isso mudará, aguarde.
Segundo: todos os dias, a todos os instantes, pessoas estão ouvindo essa frase ao redor do mundo. A frase "Você chegou ao seu destino" é dita ao menos 150 mil vezes a cada minuto em algum lugar da Terra por um dispositivo eletrônico se dirigindo a humanos.
Não posso deixar de pensar que eles estão certos. A todo instante, e isso vale para todo mundo, chegamos ao nosso destino. A algum destino.
Quando o GPS anuncia o fim de nossa viagem geralmente é motivo de alívio. Chegamos a algum lugar, agora vamos aproveitar esse lugar (não vale para o cemitério, ok, mas o argumento permanece). Hora de aproveitar o barzinho, resolver as coisas no Banco ou assistir um filme na casa do Thiago e pedir uma pizza.
Noutras vezes podemos simplesmente ignorar o aviso. "Você chegou ao seu destino." Aí você olha para o bar e desiste. Mereço algo melhor. E continua indo.
Vale o mesmo para a vida.
A cada instante, ainda que nem os GPS's revelem tanto, Você Chegou ao Seu Destino. E a cada instante cabe a você a decisão de aproveitar um pouco por aí ou seguir viagem.
sábado, 19 de maio de 2018
Eu te amo
Eu te amo
É isso que você não sabe
Eu te amo
Faz tempo
Escondi
Fiz de tudo para que não fosse
Acreditei não te amar,
Só pra ver se conseguia não te amar.
mas eu te amo
Eu te amo
Todos esses anos
Eu te amo
Quando você sentiu saudade de mim
E quando comemorou eu ser seu único amigo
E quando me contou suas histórias
E quando pediu meus conselhos
E quando rimos juntos à toa
E nos telefones
E nos filmes
E nos chás na sua casa
E nas caminhadas à tarde
E na festa de formatura
Eu te amo
Eu te amo e dói
Dói não dizer nunca
Por isso digo, digo e digo, pra ver se sara,
E porque preciso dizer
Eu te amo
Eu amo você
Você não sabe, não acredita e não entende
Mas eu insisto
Eu amo você.
Eu amo você.
sexta-feira, 18 de maio de 2018
Medo
Vou aprender seu mundo. Vou entender sua vida. Vou olhar seus gostos. Vou ver como você posiciona a xícara sobre a mesa.
Vou trazer você para meus imaginários. Vou te abrir minhas memórias. Vou te sentar com meus sonhos.
E depois vai embora? Não vai não... Fica. Abraça um abraço quente. Pra sempre...
quinta-feira, 17 de maio de 2018
Desenvolvimento humano
E aí tinha o metrô que era mais limpo do que eu pensava mas fora dele a estação estava pichada, mijada, suja e zoada. E eu andei no táxi, com o motorista do BOPE, que fazia trampo de taxista pra levar um a mais. Todos têm sua índole, dizia. E uns acham uns meios não muito legais para completar o bolso, enquanto outros se viram com a consciência tranquila. Era o discurso dele. Discurso justo. Qual discurso é injusto? Eu não sei o que ele faz, o que ele fez, o que vai fazer. Sei que me deixou na porta do hotel. Combinado, conforme combinado. Fui pro quarto com a cabeça explodindo. Deixei o Flamengo pra lá. As praias e as avenidas. Deitei na cama e pensei que estava longe.
E aí era um outro país e tinham problemas, mas outros problemas. E eu fazia coisas também, mas outras coisas. Eu tinha um jornal pequeno, que tratava da venda de válvulas. E ninguém queria saber de válvulas. Exceto nos congressos de válvulas, onde iam engenheiros, industriais, homens de negócios, e todos falavam de expansão e planos e depois era tudo a mesma coisa. Aí comecei a animar meu jornal. Aí comecei a escrever feliz e contente as notícias mesmo nos artigos técnicos. Deixava que escrevessem piadas, os textos riam pra falar de coisa séria. E em pouco tempo tinha mais gente lend, gente que nem mexer com válvulas mexia. Que coisa, que coisa... E aí tinha gente comprando válvula que nem precisava, inventavam um uso. Faziam a água dar alguma volta, fosse o caso dela ir reto demais. E ali metiam a tal da válvula. Tudo pra justificar ler a revista simpática. E o país virou a capital mundial da tecnologia de válvulas. Tudo graças a essas tecnologias que a Tecnologia não entende.
quarta-feira, 16 de maio de 2018
Meu irmão é um babaca
E não digo babaca no sentido engraçadinho e debochado. Digo babaca como quem se refere a um indivídiuo que deu errado, que não chegou aos mínimos qualitativos exigidos para participar da civilização. Um funcionário, ao sair da empresa, ameaçou processá-lo. Ele, que estaria errado na causa trabalhista, dissuadiu o funcionário de fazê-lo colocando uma bala de revólver em cima da mesa. Ele pode ser imbecil demais para entender, mas ainda que por vias não-verbais, foi uma ameaça de morte. "Me processe e eu te mato" foi o que meu irmão disse mesmo sem falar. Se iguala, nisso, aos piores bandidos que espera que o candidato-escória trate justamente na bala. Eu estou desanimado e desapontado. Porque tenho descoberto que meu irmão é tão burro que não vai conseguir nem mesmo vislumbrar os contornos da própria burrice. Não sei o que falar. Não sei para onde apontar. Se uma pessoa com uma vida confortável como o meu irmão, vindo de uma boa família e com acesso a muito mais estudo do que a maioria da população desse país, ainda assim está afundado até a cintura nesse mar de ignorância, o que dizer dos outros? Carecemos urgentemente de mais cultura. Mais cultura humana, empática, mas intelectual também. Precisamos de um mundo com menos burros babacas.
terça-feira, 15 de maio de 2018
Não me diga
Então ele inventou que era depressão, porque era o nome mais cômodo para dar para aquela vagabundagem toda.
E então ele disse que eram dúvidas aqueles medos todos emoldurados em preguiça. Medo de trabalhar. Preguiça de sair de casa. Medo de ser outra pessoa, de ser adulto. Medo de deixar o tempo passar ainda que visse que passava mesmo assim. "Fiz minha parte para que não passasse. E se ainda assim passa, não é culpa minha." Não era só um irresponsável. Era um alguém que não queria se responsabilizar. Por nada, nadinha. Medo de amar, medo de ter. Medo de ganhar. Medo de aprender.
Os livros são melhores nas estantes do que em suas mãos, em suas leituras. Os folheia e aí joga lá de volta. Em seus lugares. Arrumados, organizados, novos e não lidos.
Ele inventou que era assim mesmo bem agora que podia ser do jeito que quisesse; eventualmente de todos os jeitos.
Era viciado em sonhar.
Sonhar era a melhor coisa que já experimentara, dentre tantas outras.
E quem poderia culpá-lo? E a que tribunal se leva um caso assim?
Sonhar era sempre um delicioso amanhã talvez. Sonhar com algo que quem sabe fosse amanhã era uma fé quase concreta. Esticava-se o dedo e quase podia tocá-la, ali logo depois de uns poucos tiques do relógio no outro quadrinho do calendário.
Um sonhador. Que feridas enormes na sua vida todas as coisas que são. Que invadem o tempo presente.
Traumas? Um fraco? Incapaz de desassociar os fracassos de determinadas experiências das possibilidades de fracasso de outras?
Traumatizado seria se fosse apenas a incapacidade de se aproximar de histórias potencialmente felizes por conta da cegueira que os medos antigos lhe produzem. Mas não é isso. Efetivamente, histórias felizes lhe abraçam. Quentes, completas, envolventes, profundas e inusitadas. Felicidades acima das felicidades dos cidadãos comuns. Mas durava pouco lá dentro. Lá dentro morria logo esse desfrutar. Um arqueólogo que nunca chegava a abrir o sarcófago porque se desesperava em procurar outra tumba. Um piloto que nunca cruzava os muros de um aeroporto porque embarcava direto em outro avião, desesperado por pilotar mais. Um pescador cujo barco afundou de tantos peixes acumulados no convés - mas era irresistível continuar ali pescando mais e mais. Um desesperado. Um desesperado incorrigível. Sem controle de si. Sem controle de nada.
E foi inventar que era depressão...
segunda-feira, 14 de maio de 2018
Progresso
A próxima grande revolução científica será o entendimento detalhado, e sistematizado, da mecânica social. Insisto em um termo que caiu em desgraça depois da empolgação infantil com que sociólogos e economistas quiseram copiar Newton, mas o faço conscientemente. Temos hoje plena noção das diferenças entre o que se pode chamar de mecânica social e o determinismo límpido e claro da mecânica newtoniana quando aplicada a sistemas simples. A sociedade, assim como o clima e a hidrodinâmica, é determinista, mas seus detalhes precisos serão inacessíveis (mesmo com toda a xeretice do Facebook e smartphones). Sistemas caóticos como o clima são ainda assim determinísticos. Restará saber para onde esse conhecimento irá nos levar. Como sempre, o fator determinante será: quem está no poder? Quem está fazendo uso desse conhecimento? A ciência pouco se lixou para a humanidade enquanto ficou mais ocupada desvendando a origem do universo e os segredos do átomo. Deu no que deu. Teremos um dia cientistas capazes de entender que não se dissocia progresso científico de progresso da humanidade? Deixar todo o progresso científico nas mãos de bebezões estúpidos que brigam por petróleo é uma estupidez equivalente.
domingo, 13 de maio de 2018
Mudo
A gente às vezes é plano e às vezes tem tantos lados. Arestas. Cantos. Fundos e rasos. E eu me perco. Não faço a menor ideia de onde estou. De qual dentro de mim que sou. Hoje foi assim. Hoje você falava, falava, falava. E eu quieto. E eu me procurando. Covardia. Covardia? Foi o que foi. Foi como aconteceu. Guardei coisas que não sei onde estão. Não sei onde foram parar. Procurei, procurei procurei procurei. Só que não achei.
sábado, 12 de maio de 2018
Mimimi
O que mais me irrita no mi mi mi é o desprezo com as outras notas.
Gosto que alguns dias sejam assim logo pela manhã: sol sol sol.
E tem gente de quem só sinto dó dó dó.
Curto quando estou em um pub e toca Psycho Killer: todo mundo junto em coro cantando "fá fá fá fá, fá fá fá...".
E quando estou cansado de tudo só quero viajar. Pegar estrada com a janela aberta cantarolando meus lá lá lá.
E quando chegam as bifurcações da vida? Aqueles momentos em que coisas caminhos se mostram? A gente mergulha fundo num mar de si si si.
Não sei se acrescentei algo de útil aqui. Mas no fundo, na vida, o importante é ser feliz, né? Então ria comigo: ré ré ré
sexta-feira, 27 de abril de 2018
Vazios
É claro que eu achei que você iria dar um sinal de vida. Não que eu ache certo uma proximidade. Eu ainda tenho dúvidas sobre quem você é. Se é a pessoa que eu amei e perdi, ou se é a pessoa de quem estou aliviado de me distanciar. Com seu silêncio bélico, contudo, fico mais inclinado à segunda hipótese.
Autoconhecimento
Sou um monge tibetano sem um himalaia para chamar de meu. Sem um manto vermelho no qual me enrolar. Sem um sino para martelar numa rotina regrada. Alguns livros para carregar. Um espaço para caminhar. E minha existência segue. Igual à de todos os demais.
Despertar
Tudo é texto. Tudo é um texto esperando por ser escrito. Os passarinhos se alimentando com as migalhas do quintal pela manhã. Os meus colegas de trabalho mostrando a idiotice adulta a que chegaram com comentários pornográficos esdrúxulos sobre absolutamente tudo. A atenção da empregada a miudezas nos detalhes da arrumação. O cheiro de querosene trazido pelo vento em frente ao hangar. A caixa de e-mails bagunçada. A pilha de livros com conhecimentos sonhados. Tudo é texto esperando por ser escrito.
UTI
Eu tenho um carinho enorme por você. Você tem uma importância na minha vida que nem imagina. Mas não quer te ver de novo. Não tão cedo. De que valeria este encontro? Não preciso provar para ninguém que superei a dor de sonhos impossíveis. E não superei. Apenas consigo fingir. Mas dói.
Médio prazo
De nada adianta, no fundo, conhecer a contribuição do dióxido de carbono e do metano para o efeito estufa. De nada adianta aperfeiçoar os modelos computacionais para calcular o clima daqui a cinquenta ou cem anos. As pessoas não irão se convencer da necessidade de mudança porque o nível médio de educação e cultura no mundo não condiz com a gravidade do problema. Não se trata de uma ação antecipada para amanhã. Ou para daqui um ano. Nesse horizonte de décadas, séculos, um maior nível de abstração e uma alfabetização científica é necessária. Mais que isso: os valores estão errados. Um carro maior. Uma casa maior. Mais luzes. Mais coisas fabricadas a custo de energia. Países medindo seu sucesso relativo pela métrica de quanto valem as florestas cortadas. Não há como ser esperançoso aqui: a consciência mundial atual é altamente suicida e não dá sinais de mudança.
quinta-feira, 19 de abril de 2018
Rotina matinal
Talvez porque o sol nascendo no horizonte tenha essa evocação tão forte de um início, um começo, com tudo o mais pela frente, é que nessa hora do dia funciono melhor para meus estudos, para minhas reflexões, para tudo aquilo que diz respeito ao futuro. A noite não. A noite é o horário em que sigo em marcha. Continuo um trabalho que já vem de longa data. Tenho coragem de encarar aquelas tediosas formatações de planilha, do formato dos parágrafos dos relatórios. Essas são as tarefas que ficam para a noite. A manhã não. Não posso ofender a manhã com coisas tão mecânicas. Estudar um novo idioma, que um dia vai ser usado em um novo país, uma nova viagem. Rascunhar textos que um dia serão publicados. Pensar em pessoas que quero ver de novo. Sonhar com conquistas. Aprender uma música nova. Esses são meus banquetes matinais.
quarta-feira, 18 de abril de 2018
AINDA VIVOS
Eu tive certeza de que eram os últimos segundos. Não sei porque continuei lutando. Não sei porque tentei controlar a situação. Só sei que deu certo. Não foi um mérito meu. Foi sorte. Nada que conheço sobre a física do mundo diz que deveríamos sobreviver. Fomos perdoados pelo acaso. O que fazer com isso? Como usar esse presente?
terça-feira, 17 de abril de 2018
Sorte
Que feliz presente do acaso para você, poder viver recebendo aplausos de quem não a conhece realmente.
segunda-feira, 16 de abril de 2018
Nobre coração
Eco Zulu
Métricas
domingo, 15 de abril de 2018
Irmão
sábado, 14 de abril de 2018
Indiferenças
Números
sexta-feira, 13 de abril de 2018
Acidentes a vista
Vimos um atropelamento na avenida principal. Um jovem assaltante, perseguido por uma viatura policial, fugia em sua bicicleta. Ao cruzar a avenida desesperadamente na frente de outro veículo foi por este atingido e lançado talvez uns dois metros em direção ao céu. Estávamos no carro à frente. Eu o vi despencando de volta no asfalto duro. Pensei que estivesse seriamente ferido mas ele se levantou e, depois de tontear poucos segundos, pô-se de volta em fuga. O policial seguiu atrás, correndo. Notei que não havia nem mesmo sacado sua arma.
Dentro do carro meus colegas dividiam-se entre o júbilo de terem visto um atropelamento e a frustração de que o bandido continuava vivo. "Deviam ter metido pipoco logo, pá pá pá! Ficava já ali, no chão, um a menos." Vibravam como quem assistiu a um filme emocionante e comentava suas cenas à saída do cinema.
Não estão prontos para enfrentar o mundo real. As contradições e as nuances da vida que não é uma simples divisão de mocinho e bandido como no cinema.
quinta-feira, 12 de abril de 2018
O Futuro que nunca acontece
De onde vem essa lista de afazeres da vida, que nos torna tão desesperados em cumprí-la?
Tenho uma sucessão de dias em que estou buscando o mais interessante a fazer e é aqui que cheguei. Faltou planejamento? Faltou controlar mais meu destino?
Estou explorando o mundo de um modo que ninguém fez antes. Tenho consciência disso. Não é um caminho pronto. Ninguém sabe onde vai chegar. Mas sigo insistindo na ideia de que aproveitar a trajetória é melhor do que se desesperar com o destino. Tem sido uma viagem interessante. Por vezes solitária, por vezes cheia de surpresas incríveis.